Encaixado entre o Jardim das Virtudes e a Alfândega do Porto, numa das mais antigas e sinuosas ruas de Miragaia, o Hotel das Virtudes surge sem grande alarido, quase camuflado no casario desta zona histórica. Quem ali chega vindo do bulício da baixa encontra uma cidade diferente. “Eu diria que é o lado secreto do Porto”, diz João Soares, diretor da unidade. O postal que aqui se abre ainda tem roupa a secar nas varandas e crianças a brincar nas ruas. “Facilmente se ouve um palavrão, ou os galos a cantar.” Num hotel citadino sem piscina ou spa – ainda que por marcação sejam disponibilizados tratamentos no quarto -, esta envolvência é o seu maior cartão de visita, a par de um serviço atento e acolhedor, e de um projeto gastronómico com a assinatura do chef Tiago Bonito, que complementa o alojamento.
Já lá iremos. Por enquanto, deixamos a rua estreita e atravessamos a longa parede em pedra que a ladeia – o hotel tem 120 metros de frente -, um dos elementos originais do edifício, com raízes no século XVI, que a obra de reabilitação permitiu conservar. Dado o avançado estado de degradação, os pisos superiores, revestidos a lousa, foram totalmente reconstruídos, respeitando as linhas existentes, mas há outros vestígios que ajudam a contar a história do lugar: já foi residência aristocrática – como comprova o brasão da família Rocha, Ferreira e Barbuda na fachada -, fábrica a vapor de conservas e até armazém de construção naval. Logo à entrada, a arcaria em pedra que separa a receção, o bar e o restaurante, conjugada com um belíssimo teto em madeira, suportado por colunas de ferro, é outro desses exemplos que evoca o passado do edifício.
A construção da Alfândega, sobre a foz do rio Frio – que ainda corre em frente ao hotel, sob as lajes de pedra da rua de São Pedro de Miragaia -, marcou a passagem dos estaleiros para a margem de Gaia, mas o legado naval desta zona da cidade, onde terão sido construídas algumas das caravelas dos Descobrimentos, continua bem presente – vêm do universo náutico os nomes do restaurante Través e do bar Amura. E na porta dos quartos, 71 no total, foi colocada uma espécie de bússola, para os hóspedes manusearem consoante querem limpeza de quarto ou não. Apesar de serem todos diferentes – a tipologia do Rio Frio tem uma janela a emoldurar o casario de Miragaia, os Virtudes conservam as namoradeiras em pedra, abertas para a colina, e existem ainda seis duplexes e alguns quartos com varanda -, há uma identidade estética comum, cujo fio condutor são as aguarelas do artista plástico Vítor Espalda, que embelezam todo o hotel.
Restaurante Través
Cozinha de autor com inspiração tradicional e marítima
Amura é o cabo onde se prendem as velas de um navio, e é também o bar do Hotel das Virtudes, que se divide entre um lounge no rés-do-chão e um rooftop no quinto piso. Dali, aprecia-se a envolvência do hotel em 360 graus: as casas medievais, o edifício da Alfândega, ao lado do qual espreita uma nesga do Douro, e o jardim e miradouro das Virtudes, que deve o nome às propriedades curativas das águas de uma fonte ali construída no século XVII. Se o tempo permitir, o terraço abre todo o ano, e tanto ali como no aconchego do piso térreo está disponível uma lista de cocktails de autor inspirados nos Descobrimentos, como é o caso do Vera Cruz, feito à base de cachaça, pepino, manjericão e cardamomo, e do Adamastor, que combina gin e alface-do-mar. Para acompanhar, há petiscos e pratos mais leves. Camarão à Bulhão Pato, bao de vieira e bola de Berlim de sapateira são algumas das sugestões.
Apesar de integrado no hotel, o Amura está de portas abertas a passantes, assim como o restaurante Través (a palavra refere-se à linha que divide uma embarcação de bombordo a estibordo), onde o chef Tiago Bonito, que alcançou uma estrela Michelin no Casa da Calçada, em Amarante, desenhou uma carta de sabores tradicionais reinterpretados. Veja-se o pato cerejado, de origem algarvia – o chef trabalhou vários anos na região -, ou o caril vermelho de gambas, que chega à ementa do Través vindo de Goa, como herança das explorações marítimas. Também cabe na lista um bacalhau confitado, com puré de grão-de-bico e migas, e uma tarte de queijo basca com gelado de goiaba que remata com primor a refeição, emparelhada com uma seleção cuidada de vinhos nacionais. Em breve, a carta irá sofrer algumas alterações, essencialmente nas guarnições, para acompanhar a sazonalidade dos produtos.
Longitude : -8.2245