As 30 casas que acompanham esta encosta declivosa da Serra da Lousã servem de exemplo à escala real para a construção de uma miniatura, com pequenas pedras de xisto escuro colhidas pelos participantes no terreno, enquanto Tatiana Simões, gestora da Escola de Artes e Ofícios da Cerdeira – Home for Creativity, fornece um breve enquadramento da arquitetura da aldeia, de pé há 300 anos. “As pedras maiores eram a base e o sustento das paredes, enquanto as pequenas preenchiam os espaços e o preparado de barro impedia a entrada de chuva e vento”.
Encaixadas à laia de puzzle sobre uma pedra plana, como que recuperando a motricidade fina da infância, as pedrinhas de xisto são unidas com uma pasta de barro vermelho misturada com cimento-cola – e no topo colocam-se telhas feitas em barro, tal como as verdadeiras, que eram moldadas na perna. Ao cabo de duas horas e meia, os participantes levam a construção como recordação desta que é uma das experiências criativas disponíveis, sob marcação (aprender as técnicas da roda de oleiro e do figurado de cerâmica também é possível, a partir dos três anos).
Há praticamente sete anos que a Cerdeira – Home for Creativity desafia visitantes portugueses e estrangeiros a participar em workshops de iniciação (de um a três dias), cursos mensais de longa duração (de cinco a dez dias) e experiências criativas, sobre as técnicas intemporais de de cerâmica, madeira e cestaria. O calendário para 2025, já divulgado online, dirige-se a todos os níveis de experiência, e conta com formadores nacionais e internacionais especialistas nas diversas matérias, generosos no ensino, e que, acima de tudo, se identificam com a Cerdeira.
A ideia de a tornar um pólo dinamizador de várias artes foi ganhando sustento organicamente, à medida que o casal alemão de artistas Kerstin Thomas e Bernard Langer e Natália e José Serra, naturais de Lisboa, foram reconstruindo as ruínas, a partir dos anos 2000, para ali viverem e criarem arte. Sobretudo Kerstin, que mal descobriu a aldeia durante uma caminhada, no final da década de 1980, sentiu de imediato a magia da natureza e do silêncio, pontuado pelo som da água a correr debaixo de uma velha ponte, condições ideais à “imersão” artística.
O festival anual realizado no verão “Elementos à Solta – Art Meets Nature”, que expunha peças nas ruínas, teve 14 edições e foi outro dos fatores aglutinadores de uma comunidade artística nacional. Com a paulatina recuperação das casas – que receberam ainda peças manuais, da lã ao desenho, de diversos artistas -, a Cerdeira ganhou novas condições para se afirmar como um centro criativo, com capacidade para albergar 50 pessoas, entre dez casas de xisto com wi-fi e salamandras e o hostel Casa da Aldeia, a par de um café, biblioteca e um forno a lenha.
O ex-líbris da aldeia, menciona ainda Tatiana, é o forno Sasukenei, desenhado pelo ceramista japonês Sensei Masakazu Kusakabe (uma das maiores referências na construção deste tipo de fornos), e que foi ali instalado há uma década. Além de ser “o único na Península Ibérica”, é singular pelo facto de não produzir fumo, condição essencial para evitar os incêndios na serra. Só para atingir a temperatura máxima de 1.300 graus, ideal para cozer as peças de cerâmica produzidas durante os cursos, são precisas 36 horas (e para que ele arrefeça, outras tantas).
Longitude : -8.195471199999929