Primeiro, há a N222 ao longo do rio, essa viagem das mais belas junto a um leito emoldurado de socalcos infinitos, de janelas abertas para deixar entrar a paz aromática do Alto Douro Vinhateiro. Depois há a mesma N222 a afastar-se território adentro, curva após curva, espanto após espanto. Até Ervedosa do Douro, ou um pouco antes, na verdade. E a partir daí entra-se numa estrada municipal estreita, a questionar um eventual cruzamento de veículos, vale que se vai em direção a um canto de paraíso onde os que estão são tão poucos que cruzá-los no caminho é uma improbabilidade.

(Fotografia: DR)
Entre a meia dúzia de indicações nos entroncamentos de terra, todas quintas desse precioso vinho que cresce nas encostas, o destino definido: a Quinta da Gricha, onde a Churchill’s produz néctares de qualidade boutique – e não somos nós quem o diz, as vinhas são de “letra A” – com vários vintage e late bottled vintage.
É um lugar pequeno, exclusivo, com vista infinita. Quatro quartos virados ao vale, sala de jantar e sala de estar ao melhor estilo inglês, uma cozinha com café, chá e bolo à discrição e, claro, vinho, para se degustar na varanda, a ouvir o silêncio apenas quebrado pela passagem do comboio na outra margem, a ir e vir da Foz do Tua ou do Pocinho, a adivinhar o Pinhão atrás da curva da água, ou, havendo calor, na piscina infinita da propriedade.

(Fotografia: DR)

(Fotografia: DR)
Tudo na Gricha é uma história de amor: o desígnio de John Graham, quinta geração dos famosos produtores de vinho do Porto Graham’s, que criou a sua própria companhia em 1981, depois de a familiar ser vendida à Symington, e que lhe deu o nome da mulher, Caroline Churchill; a calma duriense de Kika e Miro, os cães que nos acolhem à chegada e se deixam afagar de olhos cerrados; a paixão por um lugar virado ao sol matinal perfeito, que faz dele berço de vinhos únicos; o carinho com que o “senhor Celestino” gere a horta e o lugar; o fascínio pelo passado numa casa edificada em 1852 mas numa vinha que vem de mais longe (talvez 1820), replantada ao longo das décadas (a mais antiga tem 80 anos), e com uma máxima muito própria de John Graham: “Podemos respeitar o passado sem viver nele”.

(Fotografia: DR)
As uvas são colhidas à mão e pisadas a pé, nos lagares de 1852 encimados pelos torreões que restam de uma defunta capela da propriedade (e mantendo aqueles curiosos buracos alteados na parede que serviam para os pisadores de antanho aliviarem a alma diretamente para o caminho), mas o líquido escorre para tinas modernas, é controlado na temperatura, estudado ao ínfimo pormenor, selecionado, triado, separado e, quando é caso, metido a envelhecer em madeira.

(Fotografia: DR)

(Fotografia: DR)
O segredo do “senhor Graham” é deixar a fermentação avançar um pouco mais para conseguir Portos mais secos e elegantes, menos doces e com menos necessidade de adicionar aguardente para parar a dita fermentação, simplesmente porque tem mais álcool natural por ser deixado na vida dele mais tempo. A diferença? Aqui o vinho fermenta até ao quarto ou quinto dia, contra os segundo ou terceiro habituais.
Todo este amor não podia ficar só para alguns, entendeu John Graham. E em 2017 recuperou a casa principal da propriedade comprada em 1999 para criar um enoturismo, a Vineyard House. Essa de cuja janela olhamos um pôr-do-sol sem filtros a descer em camadas de véus sobre um copo de vinho do Talhão 8, que é uma “valsa de Strauss”. Por exemplo.
Longitude : -8.2245