Dez momentos em refeição vagarosa no Euskalduna

São dez momentos, demora «cerca de duas horas e meia» e pode ter ou não os vinhos que sugerimos a acompanhar a refeição no Euskalduna Studio. Balcão de proporções generosas, cadeiras confortáveis, pensadas para a jornada vagarosa, o chef Vasco Coelho Santos faz a reunião inicial cara a cara com cada um e começa o caminho.

As mesas convencionais estão logo ali, mas de certa forma é melhor ao balcão, é um grande mediador de conversa e a coreografia no centro de produção ali mesmo à frente é de grande rigor. Farda informal, na T-shirt de cada um está o nome por isso até a alegoria desportiva se junta ao espectáculo. No caso do chef Vasco Coelho Santos – Vasco, basco, do país basco, euskalduna – dá para ver que está sempre em toda a parte mas não era preciso, a equipa concretiza sempre tudo direitinho. Melhor sinal de liderança não pode haver e a matriz culinária do ainda jovem cozinheiro está em todos os lances, com o conhecimento bem disseminado pelas almas que tratam de nós.

O imperativo de chegar cedo e a uma hora específica não é para rodar os lugares e dar lugar a outros, porque não é possível, a empreitada é na verdade de mais de três horas e está-se muito bem, sem pressas nem pressões. Faz-me pensar logo no esforço que é manter a casa com um máximo de 16 pessoas por noite e com o nível de serviço assim alto. Certo é que abriu há mais de um ano e rola.

O chef articula muito de perto o seu trabalho criativo com um produtor que trabalha só para si e a quem traz sementes de legumes e frutos de lugares remotos para plantar e tratar. Há um trabalho notável de maceração e fermentação feito sobre cada um, a que se junta outro, de extração de sucos e essências de que perdi a conta. E um outro, de planeamento da refeição, que só a escola da vida ensina, não é jamais do número de cozinhas por onde se passou, mas daquilo que se aprendeu. Arzak, Mugaritz e El Bulli em Espanha, antes disso Tavares Rico no tempo de José Avillez, Olivier Avenida, e finalmente o regresso ao Porto, terra natal, para os dois anos ao lado de Pedro Lemos que antecederam a criação da casa onde agora estamos.

Quem viaja sabe mais, é verdade insofismável desde os tempos de Marco Polo, mas quem trabalha com Pedro Lemos modifica o próprio ADN. E está aqui tudo à nossa frente. Experimentalismo ancorado na segurança absoluta no que se faz. Menu de dez momentos (80 euros), a que juntei o pairing vínico (25 euros), excelente trabalho do camisola Edgar. O chef Coelho Santos regista tudo o que cada cliente prova, para que numa visita subsequente tenha novidades à sua espera. Mesmo repetindo alguma coisa de vez para vez, no ciclo do jantar não há repetição de proteína, temperos nem acompanhamentos.

Escrevi «valha-me deus» nas minhas notas quando voltei à superfície, depois do mergulho na maravilhosa gamba rosa do Algarve com creme de cabeças, manga e caril. Absolutamente fascinantes os tomates com farofa de avelãs, zimbro e vitela curada raspada à nossa frente. Perfeito o tamboril com rabanete e beterraba, pela personalidade e risco. Inesquecível o rabo de boi com ervas e kimchi, o dito feito à maneira clássica, receita da avó do chef, em que é estufado, desmontado, reassemblado e vai a grelhar, o kimchi com 27 dias de fermentação configurou glória. Nunca mais de três ingredientes em cada prato, no meio de toda a efervescência comparei a experiência à do L’Atelier de Robuchon, hoje parece uma evocação forçada, mas é minha testemunha o próprio Vasco Coelho Santos, comentei com ele na altura. Fica muito por dizer, porque o importante é indizível, há que experimentar. Muitas vezes.

Classificação
O espaço: 4
O serviço: 5
A comida: 5

A refeição ideal
Menu 10 momentos (80 euros)
Vinhos (25 euros)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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