Crítica de Fernando Melo: A Carvalheira, Ponte de Lima

O discurso de afetos começa quando entramos e cheira a brasas e lareira no tempo do frio, o da memória quando lá fora é intensa a canícula, e dentro sempre fresco. O fogo transformador é o mesmo, são sublimes os pratos que resultam do labor da cozinha do restaurante A Carvalheira, Ponte Lima logo ali.

Escreveu Paul Claudel que de nada adianta percorrer um caminho quando no fim não está uma catedral. Falava e sentimentos e emoções, e do longe que nos levam por vezes. O caminho para o Carvalheira inspira nos derradeiros quilómetros a sensação de quem está perdido, mas de repente temos em frente o lugar de retiro onde sabemos que vamos regenerar corpo e alma.

A Carvalheira é lugar experiente, os irmãos Teresa e José Gomes, na cozinha e na sala respetivamente – o filho de José, Ricardo também já oficia nas artes do acolhimento –, executam a coreografia perfeita, produto, tradição e receituário a um tempo familiar e repleto de segredos. Estamos num reduto excelente de proximidade, cada prato é escola.

Pão e broa vêm para a mesa e os frios que pedirmos também. Boas ovas de bacalhau (5 euros) e uma salada do mesmo com broa frita (6 euros) desenfastia e inspira. Nas entradas quentes, a alheira com legumes (7 euros) é tentadora, com a assessoria de pedaços de broa no prato, mas agora que elas aí andam, as favas com fumados (4 euros) clamam por conferência. As pataniscas de bacalhau (3 euros) são deliciosas mas deviam chamar-se sonhos, pela forma como são feitas e dadas à fritura. Nada, contudo, que prejudique o humor e a tranquilidade que se instala quando o estômago já desativou o estado de alerta.

É altura de reparar na quase metade da sala à mesa a falar espanhol, estamos perto e os nossos irmãos gostam de bacalhau e de outras graças de lavra minhota. O bacalhau com broa (28 euros) é belíssima razão para estacionar, num registo mais ligeiro a cândida espetada de lulas (18 euros) cumpre bem o desígnio, especialmente se planeamos a empreitada carnívora a seguir. E há um robalo na caçarola com amêijoas (45 euros/kg) que pode fazer-nos mudar de ideias. Cabrito assado (32 euros) delicioso, processado como antigamente, dá uma experiência boa de texturas, sabores e aromas. É popular o pernil no forno (18 euros) e não é para menos, vem sem excessos de gordura, assado lentamente e com a transformação em peça que se desfaz na boca. Há boa matéria-prima nesta casa, a posta de vitela (22 euros) comprova-o bem, altura para mais um louvor à cozinha que a soube temperar e cozinhar primorosamente. Assim como fazer um sarrabulho (19 euros) com tudo certo, sem véus.

Nas sobremesas há que saber dar o braço a torcer e deixar-se levar para gula, já que a esta fase ninguém chega com fome. Rabanada (3 euros) de truz, bolo de bolacha (3,50 euros) original, feito proposta interessante, e a pêra borrachona (3 euros) é a doce terminação que merecemos. Estamos na catedral preconizada por Claudel para o termo dos caminhos felizes e daqui não precisamos de ir para parte alguma. Porque, de certa forma, ficamos para sempre.

Classificação

O espaço: 4,5

O serviço: 3,5

A comida: 4

A refeição ideal

Ovas de bacalhau (5 euros)

Misto de enchidos (12 euros)

Bacalhau na brasa (28 euros)

Pernil no forno (18 euros)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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