Livro Saberes do Passado: “É preciso conciliar o tradicional com o moderno”

Cláudia Costa e Tiago Lucena são autores do blog Senhora do Monte e do livro sobre receitas antigas e tradicionais para cuidar da casa, do corpo e da saúde. (Fotografia de Leonardo Negrão/GI)
Há um novo livro dos autores do blog e do livro “A senhora do monte”, Cláudia Costa e Tiago Lucena. Chama-se “Saberes do passado” e é mais um contributo do casal de citadinos profundos que se converteu há 10 anos a uma vida mais simples, para difundir boas práticas de autossuficiência.

Qual foi a vossa motivação para escrever um segundo livro com 120 receitas de higiene, beleza e limpeza que se podem fazer em casa?
Tiago: Esses livros fazem parte de uma história que vem de trás. No meu caso, a minha vida começou a mudar depois da crise de 2008, quando eu era publicitário e comecei a pensar nos modelos sociais que nos são oferecidos, sem que isso signifique que sejam bons para nós. Tornei-me uma pessoa muito mais informada, sentia que vendia bens supérfluos e não via alternativa. Foi então que encontrei a permacultura, que é um sistema produtivo sem caixote do lixo, onde as plantas criam um ecossistema e se entreajudam. Muitas pessoas no Mundo chegaram a essa verdade, a um conjunto de boas práticas para o planeta – isto não é novo. Comecei a querer uma sociedade autossuficiente, na qual o dinheiro é o nosso voto diário, e tornei-me uma pessoa que quer aprender a fazer tudo.

Este é o vosso contributo para difundir esse conhecimento tradicional?
Tiago: Sentimos que estamos a recuperar conhecimento e cultura tradicional. A permacultura, por exemplo, vai até aos Maias, que três mil anos antes de Cristo plantavam as chamadas “três irmãs” (feijão, milho e abóbora). Temos essa cultura aqui também.

Como aconteceu essa mudança de vida?
Tiago: A Cláudia era assistente de bordo, depois foi trabalhar em publicidade. Nós éramos os dois totalmente citadinos, de várias gerações, mas decidimos que podíamos começar uma nova vida e mudar da cidade para o campo. Tínhamos algumas poupanças, na altura nem pensei que aquilo era mesmo pouco, arrendamos uma casa no Cartaxo. E começamos a conhecer muitas pessoas que nunca tinham entrado numa cidade, ou não iam a uma há décadas. O nosso primeiro contacto foi com a Dona Nali, que nos começou a transmitir o que era o mundo de antigamente – um mundo que está a morrer.

Cláudia: Mesmo a cidade da altura das nossas avós não era o que é hoje: a minha avó que vivia na cidade criava um porco.

Como era essa nova vida?
Tiago: A Dona Nali, que vinha da serra da Estrela e tinha crescido nesse mundo já quase perdido, começou a passar-nos conhecimento. Começamos a fazer os nossos produtos, nesse caminho para a autossuficiência e sustentabilidade. Eu trabalhei numa fábrica, onde pude perceber a cadeia industrial, da embalagem e do transporte, de embalagem de transporte. Foi uma bofetada do mundo real para um betinho da capital estar numa fábrica, com uma empresa de trabalho temporário, a trabalhar ao lado de pessoas com idade para serem meus avós, que ganhavam menos do que o salário mínimo. É gente muito humilde, mas sabe ser mais independente e viver com menos. Já tinha tido essa lição com a minha professora de Permacultura, que vivia bem com 300 euros por mês, quando há quem em Lisboa viva mal com 3000 euros por mês. Temos que tentar conciliar os dois mundos, o moderno e o tradicional, e colocar a prioridade nas pessoas.

A capa do livro.

Agora estão na Ericeira, a vida continua a mudar?
Tiago: Passamos por Góis, pela Sertã e fomos para Torres Vedras e acabamos por vir para Mafra. A Senhora do Monte agora também é um pouco a Senhora do Mar, porque me apetece descobrir agora as artes do mar, para complementar o que trouxe da serra.

Os livros foram criados nesse trânsito?
Cláudia: Neste tempo todos, tivemos nove casas. Quando mudamos para o campo e começamos a fazer os nossos produtos, tentamos fazer tudo de uma só vez, mas isto não é uma mudança que se faça de um dia para o outro. O nosso cuidado no primeiro livro foi o de haver receitas simples, de coisas que todas as pessoas precisam, como um champô, um creme. Neste segundo livro, procuramos dar um passo em frente e fazer outros produtos para outras soluções. Temos um spray antifrizz ou um protetor térmico para o cabelo, porque não estamos a dizer às pessoas para viver como antigamente, mas que optem por produtos naturais e ecológicos, que não provoquem problemas de saúde.

Quais são os ingredientes essenciais a ter na despensa ou no armário?
Cláudia: Um é o sabão azul e branco, que tem imensas utilidades. Dá para lavar o chão, a roupa, fazer detergente para a louça. O vinagre é outro e pode-se usar cascas de citrinos para tirar o cheiro do ácido ascético. Também limão e bicarbonato de sódio (este é obrigatório, mas não daquele que há em saquetas para cozinhar, do que se compra na drogaria) e óleos essenciais (pelas suas propriedades terapêuticas) são outros ingredientes a ter.

O que recomendam para que se comece a incorporar o hábito de fazer produtos de usar em casa, quando estamos tão acostumados a comprar tudo feito?
Cláudia; Nós sabemos exatamente o que é isso, a maior parte da nossa vida foi vivida dessa maneira. Foi por isso que a maior parte das receitas do livro não demora mais do que cinco minutos a fazer. Quando fomos a programas de televisão, conseguimos demonstrar três receitas em dez minutos. Para começar, pode-se escolher duas ou três receitas de higiene pessoal ou para a casa, e começar por aí. E não comprar logo os ingredientes todos de que fala o livro, mas ir começando por poucas receitas, incorporá-las no dia a a dia e seguir a partir daí. Se alguém só quiser fazer duas ou três receitas, mas as fizer toda a vida, já está a ajudar o planeta.

 

O blog e o outro livro
“A Senhora do Monte” é o nome do blog de Cláudia e Tiago e também do primeiro livro (Ed. chá das cinco, pvp 16,60 euros).




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