Um passeio pela «Sintra do Algarve», com quem a conhece

A serra de Monchique, a que muitos chamam a «Sintra do Algarve», dispõe de encantos próprios que dispensam comparações. É como se fosse um outro Algarve, dentro do Algarve, feito de velhos carvalhos, cascatas de água límpida e tradições que teimam em manter-se vivas.

Sim, isto também é Algarve, mas aqui o mar só se avista da Fóia, o ponto mais elevado da serra de Monchique, a 902 metros de altitude. E quanto mar se vê daqui! – nos dias limpos, a paisagem abarca toda a costa sul até ao litoral alentejano. A par da fortaleza de Sagres, o alto da Fóia é um dos locais mais visitados do Barlavento, mas mesmo assim as serranias que o rodeiam ainda são território desconhecido para demasiada gente.

Foi para contrariar essa realidade que Reinaldo Alves criou há coisa de quatro anos a Monchique Passeios na Serra, empresa, como o nome indica, de passeios na serra. «Mas na verdadeira serra, aquela que só quem aqui viveu uma vida inteira conhece», esclarece Reinaldo, 58 anos, antes de dar início à marcha.

Depois de uma longa subida, desce-se por um vale, onde numa encosta se destaca a imponente fachada do convento franciscano de Nossa Senhora do Desterro, hoje em ruínas. Foi fundado no século XVII, segundo consta por ordem de Pero da Silva, mais tarde governador da Índia. Terá também sido ele a plantar uma magnólia que sobreviveu até ao início do século XX, quando, de acordo com Reinaldo, ostentava o título de maior da sua espécie na Europa.

A estrada de terra inicial há muito ficou para trás, tendo-se transformado num estreito trilho, entretanto também já engolido pelos sobreiros de grande porte. Mas o esforço vale bem a pena, afinal não é todos os dias que se tem a honra de estar frente a frente a um ser vivo com cinco séculos de vida. À nossa frente, um grosso tronco estende-se por dezenas de metros em direção ao céu, para terminar numa enorme copa, que envolve a floresta num longo abraço, com os seus ramos a filtrar a luz do abrasador sol de verão, tornando muito mais ameno este recanto da serra, sob o domínio do Grande Carvalho Centenário de Monchique.

A Monchique Passeios na Serra dispõe de diversas rotas, todas elas criadas por Reinaldo. Para isso dividiu a oferta em duas temáticas: a água e os saberes.

A Rota da Água inclui quatro percursos, de 9 a 14 quilómetros, com passagem por diversas cascatas, moinhos de água e locais esquecidos como a Fonte Santa da Malhada Quente ou as termas medievais da Fornalha, em cujas águas se terão banhado os reis D. Sancho II e D. João I.

«Todas estas rotas se cruzam e podem ser adaptadas à vontade dos clientes», sublinha o guia. A Rota dos Saberes, por sua vez, é dedicada a temas como a cortiça, os pastores ou as adegas. Como aquela que Joaquim Valério tem no lugar de Alcaria do Peso, um par de casas junto à estrada municipal, mas sempre de paragem obrigatória, para provar a famosa aguardente de medronho, ali mesmo destilada, segundo os velhos saberes. Tal como a melosa, uma mistura de aguardente com mel, também ele ali produzido, na melaria uma porta ao lado. A meio da manhã, é melhor não abusar do medronho, mas as tostas com mel vêm mesmo a calhar para o que ainda falta percorrer.

Para descontrair ao som da água corrente da Ribeira de Seixe (essa mesmo, a que desagua, alguns quilómetros mais a noroeste, na praia de Odeceixe), mas também para visitar outro ilustre habitante desta serra: o Grande Plátano de Monchique. «Foi plantado a 28 de julho de 1851, para festejar o nascimento de um novo membro para o clã dos Mascarenhas, uma família nobre da região», afirma Reinaldo. Desde então, o local tornou-se ponto de encontro para festas populares, numa tradição mantida até hoje, nos muitos piqueniques que recebe ao fim de semana. Antes disso, era aqui que trabalhavam os pisões, os homens a quem as antigas tecedeiras entregavam os tecidos, para lhes retirarem a gordura.

Tal trabalho era feito com recurso ao pisão, uma «máquina para pisar tecidos», como a que existia no Moinho do Poucochinho, ao qual se chega acompanhando o curso de água, no sentido descendente. O engenho também servia para moer cereais e era movido pela água das fortes cascatas que aqui se formam no inverno, cenário difícil de imaginar no verão, quando a ribeira não passa de um pequeno regato. Foi um dos últimos em funcionamento na serra e ainda hoje trabalha, depois de um exaustivo trabalho de recuperação por parte da Junta de Freguesia, que recriou também no local, com recurso a mobiliário e utensílios de época, a difícil vida destes moleiros serranos.

Daqui saía a farinha usada no pão. Como o pão que ainda é cozido no lugar do Espinhaço, um pequeno aglomerado de casas construído em volta de um enorme forno a lenha. É dele que sai, ainda fumegante, o pão usado na tiborna com que Reinaldo termina sempre os seus passeios. Num tabuleiro já está preparado o azeite e o alho, onde será embebido o pão. Ao petisco junta-se o padeiro, e um ou outro dos poucos habitantes. É melhor vir mais um pão, talvez mais um par de copos, para o vinho.

Um miúdo espreita pelo postigo e, vendo o rebuliço à porta, sai também de casa, com uma bola debaixo do braço, que momentos depois está a ser chutada pela estreita e inclinada rua, num jogo improvisado com os forasteiros. A serra também é feita de gente assim, que perpetua no tempo a memória desta terra, tal e qual as raízes do Grande Carvalho e as do Grande Plátano.

Reportagem publicada originalmente na revista Evasões semanal – agosto de 2016.

COMER

Tasca do Petrol
Corgo do Vale, Marmelete
Tel.: 282955117
Web: Facebook: Tasca do Petrol
Das 10h00 às 00h00. Encerra à quarta.
Preço médio: 15 euros
FICAR

Quinta do Tempo
Sítio da Nave
Tel.: 282912590/967639775
Web: quintadotempo.pt
Casa T1 a partir de 90 euros por noite

FAZER

Monchique Passeios na Serra
Tel.: 962543217
Web: passeiosnaserra.com
Passeios pedestres a partir de 14 euros por participante




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