Todos ao Douro: muito mais do que um rio

Todos ao Douro: muito mais do que um rio

De carro, de jipe, de moto, de barco, de comboio, de carrinha de caixa aberta, de caiaque, de trator, de bicicleta ou a pé, todas os meios (de transporte) são válidos para beber o Douro. Uma viagem, sem grande rumo, por algumas das quintas que dão vida a uma das mais belas, duras e até há bem pouco tempo, subvalorizadas, regiões vinícolas do mundo.

«Desculpem, desculpem, precisam de ajuda?” pergunta Tomás Roquette em inglês, visivelmente apreensivo, perante dois turistas que sobem a encosta, sozinhos, encaminhando-os de imediato para a receção. A Quinta do Crasto, uma das maiores quintas do Douro, com 135 hectares, 74 ocupados por vinhas, está numa fase de remodelação e isso faz com alguns visitantes se percam. Ainda assim, com ou sem obras, o administrador da empresa prefere que toda a gente faça a visita acompanhada, não vá o diabo despi-las. «As pessoas vão por aí acima e quando damos por ela estão na piscina. Uma vez encontrámos lá um casal, feliz da vida, a tomar banho nu».

É da água senhor, é da água. A culpa. Lá no topo está uma piscina, para muitos «a piscina», criada por Souto Moura, daquelas que provoca a ilusão de borda infinita, consoante o ângulo de observação. Já serviu de cenário a telenovelas e um sem número de produções, entre eles o multi-premiado «Portugal, the beauty of simplicity», do Turismo de Portugal. O mergulho não é para todos, mas todos querem uma fotografia. «Tomás, Tomás, estamos à sua espera», grita um grupo de suíços, meio despidos, copos cheios ainda a manhã é uma criança. São importadores, há que tratá-los bem, afinal 75% do um milhão e quatrocentas mil garrafas de vinho do Douro e do Porto que produzem anualmente vai para exportação.

Tratam bem toda a gente, garante Tomás, sempre solícito, até porque as visitas ocupam uma fatia cada vez mais importante na saúde financeira das quintas. No Crasto recebem anualmente mais de 3.500 pessoas. O ideal é que toda a gente faça reserva, mas «não mandamos ninguém embora». Das visitas mais simples, aqueles que passam pelas adegas e terminam com provas de vinho, até passeios de barco ou, imagine-se, chegar de helicóptero, quase tudo é possível. «Já tivemos o Ronnie Wood, dos Rolling Stones ou o Harrison Ford», confidencia. Ainda assim, não é preciso vir do céu para que a cena seja de filme. Localizada em Gouvinhas, entre o Peso da Régua e o Pinhão, é possível chegar de carro, barco ou comboio, qual delas a mais cinematográfica. O cais e a estação do Ferrão ficam a poucos minutos e eles tratam do transfer. Transfer que pode ser feito numa Bedford de caixa aberta – aquelas que, outrora, serviam para carregar as uvas e são agora utilizadas por muitas quintas para seduzir visitantes. E jornalistas, esses turistas sedentos de experiências.

 

A era da experiência
«Não vendemos visitas, mas sim experiências». Quem disse? Dizem todos, assim no Algarve – e no Alentejo e em Lisboa e no Porto – como no Douro. O turismo rebentou, boom, já ninguém quer uma visita apenas com um guia a debitar informações. Toda a gente procura e vende experiências. Difícil é encontrar a experiência certa, sobretudo quando a oferta é tanta. Chega-se aqui, sobretudo ao Alto Douro Vinhateiro, Património Mundial, o poema geológico como escreveu Miguel Torga – não é preciso falar de Miguel Torga em todos os artigos sobre o Douro, melhor mesmo seria lê-lo – olha-se para os socalcos carregados de vinhas, de poesia e de letreiros com o nome das quintas e, apesar da internet, dos mil e um artigos escritos, sentimo-nos perdidos. Qual delas visitar? O que as diferencia? What to do?

Este verão surgiu uma nova rota que junta 16 produtores locais de vinho do Douro, entre estes a Quinta do Crasto.

Não foi, obviamente, por acaso que este verão surgiu uma nova rota que junta 16 produtores locais. (Podem saltar as próximas linhas, que não levamos a mal). Quinta do Vallado, Quinta do Crasto, Quinta dos Murças, Quinta da Marka, Quinta Nova N.S. Carmo, Quinta de la Rosa, Quinta do Bomfim, Quinta da Roêda, Quinta das Carvalhas, Quinta do Seixo, Quinta do Panascal, Quinta do Pôpa, Quinta do Tedo, Quinta Maria Izabel, Quinta da Casa Amarela e Quinta de Tourais).

Um guia de bolso desdobrável, disponível nas respetivas quintas, mas também em museus, postos de turismo, hotéis, garrafeiras e restaurantes de toda a região norte. Em que consiste? Tem uma descrição de cada produtor e as atividades que organizam. Além da sugestão de onde comer e dormir. Eis algumas das frases proferidas pelos responsáveis aquando da apresentação: «Não existia sequer um documento completo onde as quintas estivessem identificadas. Muitas vezes tínhamos de pegar num papel, escrever o contacto das quintas e fazer este trajeto»; «Todos nós viajamos. Vamos lá fora e todas as regiões vitivinícolas há anos que mostram coisas deste género»; «Permite ao visitante perceber que há muitas mais coisas para fazer além de provar vinhos»; «O turista para além de ver, tem de sentir a região». O próximo passo será fazer uma versão em… português.

Há rivalidades e concorrência, é claro que há, mas parece vingar a fórmula de que funcionar em rede talvez seja o caminho para «agarrar» os turistas, ajudando, de uma vez por todas, a alterar a ideia feita de que um ou dois dias são suficientes para visitar a região. A certeza de que o Douro é bonito mas repetitivo, que as histórias das quintas são em tudo iguais e que, além de beber vinho e comer, não há mais nada para fazer. (Como se isso não bastasse?!).

Não bastava, é claro. Fazer um passeio numa pequena embarcação a motor, ou à vela, não é o mesmo que fazê-lo num barco da Douro Azul; navegar numa embarcação pequena, mesmo que à vela, não é o mesmo que andar três horas de caiaque; ver o rio a partir do de comboio que liga o Peso da Régua ao Pocinho, não é o mesmo que a partir da N222; fazer uma visita numa de Bedford ou num Land Rover Defender com 50 nos não é o mesmo fazê-lo numa Toyota Hilux. Tudo isto é óbvio, sim, é sabido que há sempre diferentes formas de ver um destino, mas por aqui nem sempre foi assim. A oferta aumentou e com ela a possibilidade e a consciência de que se pode ver a região de outros ângulos. Complementares.

Nuno Andrés, responsável pela empresa GoOnBike.

Foi isso mesmo que levou Nuno Andrés a criar a empresa GoOnBike. Já organizou passeios de bicicleta um pouco por todo o mundo, de Cabo Verde ao Quirguistão, mas foi no Douro, em Fontelas, a dois passos de Peso da Régua, que montou o seu quartel-general – numa propriedade de família que transformou em turismo rural, Casa Nossa Senhora do Carmo. Depois de meia vida na área de informática (trabalhou na Unicer como responsável pelos sistema de informação) passa agora os dias a pedalar. «Foi arriscado, mas resultou. Estava a precisar de fazer algo diferente e percebi que a região tinha um potencial para uma empresa deste género». São vários os passeios disponíveis, voltas curtas, de três ou quatro horas, até passeios mais longos, de quatro ou seis dias.

O alojamento é na Casa da Nossa Senhora, naturalmente, e os dias são passados às voltas, com passagem por miradouros, quintas, direito a passeios de barco e as provas de vinhos da praxe. Tudo em ritmo moderado, apenas 112 Km em seis dias, «que isto para desfrutar». E não se cansa de fazer isto todos os dias? «Quem é que se cansa de ter um escritório assim?» responde, de braços abertos.

 

Esta terra tem qualquer coisa
«As visitas podem ser guiadas, sim, mas as pessoas também podem levar um cesto de piquenique e sentarem-se onde quiserem. Nas vinhas ou junto à piscina. Queremos que se sintam à vontade, que não seja algo pesado». Na loja e sala de provas da quinta há uma caixinha mágica chamada Le nez du vin, onde os amantes de vinho duros de nariz e de conhecimentos técnicos, como nós, podem cheirar e conhecer as fragrâncias, para que na hora e beber tudo faça (ainda) mais sentido. A quinta é a Quinta do Pôpa, em Adorigo, na EN222. As palavras são de Stéphane Ferreira, piercing, chapéu, t-shirt e discurso rock n’roll. Trabalhou em várias áreas, incluindo artes gráficas, até que o pai, homem da terra, comprou a quinta em 2004, transformando-o num negócio de família. Q nome da quinta? Uma homenagem ao avô, Pôpa, um antigo feitor que nasceu de uma relação de um patrão com a empregada e que nunca foi reconhecido pelo pai. Agora tem uma quinta, por muitos considerada como uma das mais criativas e irreverente da região, em seu nome.

Irreverente, irrequieta, apaixonada, poderão ser também algumas das expressões empregues para caracterizar Sophie Bergqvist, proprietária da Quinta de La Rosa. É inglesa, mas não a típica inglesa do Douro – seja lá o que isso for. Formada em Cambridge, começou a trabalhar na quinta com o pai, (em 1988), que morreu recentemente. Divide-se entre Londres o Pinhão, mas nas vindimas está sempre cá. A “guiar” o barco, literalmente, ou até a nadar no rio. Já organizou por mais do que uma vez o La Rosa Hill Challenge, corrida para duros (e duras) que consiste em atravessar o rio Douro a nado e subir a colina. Também começou este ano a produzir cerveja. A primeira quinta do Douro a produzir cervejas artesanais. “Vocês é que têm isso da saudades e apego à terra, mas há uma força neste sítio… Houve alturas muito difíceis em que pensei i embora, muito dinheiro investido, a família longe, mas nunca fui capaz. Esta terra tem qualquer coisa que não consigo explicar».

Álvaro Martinho, da Quinta das Carvalhas.

Álvaro Martinho, engenheiro agrónomo, responsável pela viticultura da Quinta das Carvalhas, explica. É ele quem abre o artigo, lá em cima, ao volante de um trator. Vai-se à internet e lá está ele, elogios atrás de elogios. Quem faz um artigo sobre o Douro fala obrigatoriamente com ele e sobre ele. As agências de comunicação a funcionar, é claro, mas é mais do que isso. Não faz visitas de trator (sim, foi só para a fotografia), se bem que os seus tours sejam tudo menos para cumprir calendário. À semelhança das outras quintas realizam vários tipos de visitas e têm programas específicos para a época das vindimas – incluindo o Harvest Experience, nos dias 22 e 29 de setembro e 6 e 13 de Outubro – mas a visita feita por Álvaro, disponível ao longo de todo ano, vale cada euro. 90 euros. «Esta visita foi uma grande dor de cabeça que criei. Andei os últimos anos a afinar cada detalhe por forma a torná-la o mais completa possível».

Três horas em que mostra, de forma apaixonada, orgânica, científica, leve, o porquê desta ser uma região tão especial. «O importante é de facto o conteúdo e o grau de envolvimento que imprimimos aos visitantes proporcionando-lhes momentos únicos, mas também dar a conhecer a região de outra forma: a terra, a história, as plantas… tudo numa perspetiva mais humana. Abordar só a vinha e o vinho tornar-se -ia muito aborrecido. O que é importante é o todo». Só mais uma frase, que escrito não tem a mesma força. «Os nossos vinhos são, de facto, muito exóticos, diferentes e com uma longevidade impressionantes devido aos fatores naturais: clima, o solo e as pessoas. Estes fatores que aparentemente se revelam de muito difíceis e extremos são, na verdade, o passaporte para produzir vinhos únicos num panorama mundial de vinhos cada vez mais homogéneos», conclui, antes de nos levar a almoçar à Toca da Raposa.

 

N-222, a melhor estrada do mundo
Não, não é mito. Quem é que nunca ouvir falar disto? Em 2015, a Avis – companhia de rent a car – juntou um físico quântico, um designer de circuitos de Fórmula1 e um designer de montanhas russas e criou uma equação matemática de forma a encontrar a melhor estrada do planeta para conduzir. Envolvia a geometria da estrada, o tipo de condução, a aceleração média, a aceleração lateral, o tempo de travagem e as respetivas distâncias.

A N222 une o país do litoral ao interior.

O ADR ideal (Avis Driving Ratio – Índice de Condução Avis) era de 10:1 – 10 segundos em linha reta para cada segundo gasto numa curva. Com uma relação de 11:1, o troço de 27 quilómetros que liga o Peso da Régua ao Pinhão arrecadou o “galardão” máximo e consequente fama mundial. E a paisagem nem sequer entrou nas contas. Vale o que vale (e vale, sobretudo, muita publicidade à companhia), a verdade é que com ou sem estudo, este troço sempre foi o mais conhecido da N-222, estrada une o país do litoral ao interior, de Gaia a Vila Nova de Foz Côa. Junta três destinos Património da UNESCO: o centro histórico do Porto, o Alto Douro Vinhateiro e as Gravuras Rupestres do Côa. 223,6 quilómetros no total.

 

Um charme de hotéis
Longe vão os tempos em que se contavam pelos dedos da mão os turismos rurais e os hotéis de charme (é difícil fugir à expressão), na região duriense. Algumas quintas abriam as portas aos amigos, mas não de forma oficial. Até porque, garante os proprietários, a procura não compensava. Com o boom turístico tudo mudou. A Quinta de la Rosa e a Quinta do Vallado são dois dos nomes que há mais tempo apostaram nesta área. E continuam na linha da frente.

O primeiro, que recebe visitas há mais de 20 anos, tem 21 quartos divididos em diferentes tipologias. E ainda piscina, vários terraços descontraídos perfeitos para o Porto tónico da praxe e um restaurante (Cozinha da Clara) inaugurado em 2017 e liderado por Pedro Cardoso, chef da terra e profundo conhecedor dos produtos locais.

A piscina da Quinta do Vallado

A piscina da Quinta do Vallado

A Quinta do Vallado também já recebia hóspedes desde 2015, mas deu um passo (vários passos) em frente com a abertura do Hotel Rural, em 2012. Um edifício em xisto, de arquiteto, projetado por Francisco Vieira de Campos. E uma piscina daquelas… É igualmente descontraído, se bem que aqui se sinta (ainda) mais o luxo. Não tem tem um restaurante propriamente dito, mas há sempre dois pratos à escolha, carne ou peixe. Num ou noutro restaurante é um daqueles casos em que se pode pedir sempre sem receios o vinho da casa.

Um dos quartos da Quinta de la Rosa.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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