Freixo de Espada à Cinta: Viagem num dos concelhos mais remotos do país

Freixo de Espada à Cinta: uma das vilas mais remotas do país

O nome de Freixo de Espada à Cinta seduz logo pela sua graça, mas há muitos mais encantos na terra natal do poeta Guerra Junqueiro. Há lendas e monumentos surpreendentes, pedaços de História e património para saborear pelas ruas, vistas arrebatadoras, boa comida e bons vinhos. E também boa gente.

Visitar este que é um dos concelhos mais remotos do país, todo colado a Espanha, a bordar-se ao Douro faz-nos sair de lá regalados. De comida suculenta e bom vinho, mas também de muita descoberta, de paisagens arrebatadoras e da boa índole do seu povo raiano. Deixemos as grandiosidades do Douro para depois e comecemos mesmo no centro da vila. É tudo pequeno, a parecer quase uma maqueta para quem vai com os olhos habituados às cidades grandes, mas arrumado e mimoso. Em redor, tudo montanhas verdes. «Aqui vive-se muito bem, temos tudo, o que nos falta é gente», dizem, desta ou de outras maneiras, muitos freixenistas, assim se chamam os nativos.

Percorrer a terra é um passeio por ruas estreitas e casas modestas, com flores à porta e as janelas manuelinas que a fazem reclamar-se a vila mais manuelina de Portugal. Pode-se experimentar como ponto de partida a Praça Jorge Álvares, onde se encontra a estátua deste navegador português ali nascido, o primeiro explorador europeu a chegar à China por mar, fez 500 anos em 2013. Encontra-se ao lado a Torre do Galo, a igreja matriz e um freixo de espada à cinta. É mesmo uma árvore na qual foi colocada um grosso cinturão de ferro com uma espada, que serve de ícone ao concelho. Este terá ganho o nome mercê de um fidalgo que escolheu descansar do seu afã à sombra de um freixo, tendo nele pendurado a arma. Só não se sabe que fidalgo, se um nobre visigodo, se outro português ou ainda, também há esta versão, se o próprio rei D. Dinis, que por ali passou no encalço do filho Afonso Sanches.

A povoação já existia aquando da fundação de Portugal e que foi D. Afonso Henriques a outorgar-lhe foral, em 1155-57.

 

 

 

Hoje em dia, o freixo armado é uma das graças da vila e passa-se por ele a caminho da torre de menagem, o que resta do antigo castelo, deitado abaixo na década de 1830, perdida a sua função defensiva. Na vila, lamenta-se a demolição daquele que foi um dos primeiros castelos transmontanos, mas a sua curiosa torre heptagonal, a Torre do Galo, é visitável. Dessa torre sineira, a vista vale a pena, ora sobre os telhados de Freixo até à capela da Senhora dos Montes Ermos, ora sobre os montes até Espanha.

Há mais a fazer nessa praça, como conhecer a Igreja Matriz, em estilo manuelino, de uma delicadeza arquitetónica que se estranha em terra tão pequena – e em Freixo todos se gabam de ter ali uma espécie de Mosteiro dos Jerónimos. No interior, impressiona o contraste entre a imponência do granito, com as belas nervuras de pedra do teto, e os altares em talha dourada. No altar principal, encontra-se um retábulo com cenas da Paixão de Cristo, de um autor que presume da escola de Grão Vasco, e que é um dos tesouros da vila. A meio da nave, sobressai o púlpito em ferro forjado. O cenário é, de todas as perspetivas, de grande beleza. Num altar lateral, encontra-se uma daquelas cómicas ocorrências da arte sacra: São Mateus, cobrador de impostos, tem posto um par de óculos escuros.

Fica ao lado da igreja o posto de turismo onde se pode recolher informação útil, como o mapa do manuelino ou o roteiro de miradouros. Há dez lugares com vistas de travar a respiração, ora ao nível do Douro, como na praia fluvial da Congida (um pequeno paraíso no verão e onde se pode ficar nos bungalows das Moradias do Douro Internacional), ora no alto de uma das arribas do Parque do Douro Internacional. O Miradouro do Penedo Durão é o mais emblemático, com a sua vista de 550 metros de altura sobre o rio a serpentear e a possibilidade de avistar grifos, águias-reais e outras aves de rapina. É uma vista tão arrebatadora que custa desviar dela, mas o miradouro está feito para que nos deixemos ficar – construído em socalcos, é ao mesmo tempo um parque de merendas.


Mesas generosas

É uma pena que não exista mais restauração na vila perante tudo o que a terra oferece: carne, vinho, azeitonas (uma variedade DOP, a Negrinha de Freixo) e azeite, as doces laranjas do Mazouco, enchidos e até uma cerveja artesanal, feita de lúpulo ali cultivado. Diego Ledesma, espanhol dali da beira, chegou há quase 30 anos e continua a preencher boa fatia dessa oferta, com muita gente a indicar o seu Cinta d’Ouro como o melhor restaurante local. No mesmo edifício, há ainda um café, uma hospedaria e uma pequena loja de produtos locais.

Quando lhe perguntamos o que cozinha ali, este homem gentil que saltita entre o português e castelhano, não hesita: «Gastronomia da raia, o que é bom de um lado e o que é bom do outro.» Isto resume especialidades como salada de perdiz, presa de porco na brasa com mostarda e mel, vitela estufada com amêndoas, e, por ser muito procurado por espanhóis, três pratos de bacalhau. Há ainda petiscos à base de produtos locais, como cogumelos, espargos, alheiras e queijos. E nas sobremesas, tarte com as amêndoas da Terra Quente e uma novidade imperdível: um gelado de laranja em cama de azeite, com telha de amêndoa.

A carta no Cinta d’Ouro não vai muito além dos vinhos de Freixo, que estão lá todos, e é quanto basta.

Não há outros vinhos além dos da terra entre aqueles que serve José Araújo no Zona Verde, restaurante despretensioso onde vão comer todos os dias quer residentes, quer espanhóis. O dono é um jovem de 32 anos que nasceu na Suíça, lá estudou hotelaria e regressou à terra dos pais, que acabaram por segui-lo, para abrir o café com mais movimento da vila.

Pouco depois, abriu a sala de restaurante, onde se serve uma comida honesta e consoladora, à base das carnes transmontanas e ainda bacalhau, com alguns pratos de inspiração italiana. Também aqui há sobremesas caseiras de estalo, como um cremoso cheesecake. À noite, o Zona Verde é também um bar. Não se pode ir a contar com grande sofisticação, mas o ambiente é animado e pode-se beber, para variar, gin.


Os vinhos de Freixo

Todavia, se não vale a pena ir de propósito a Freixo de Espada à Cinta beber um gin, já compensa bem a viagem para ir conhecer melhor os seus vinhos e aqueles que os fazem. É o caso da Quinta dos Castelares, que começou com a vontade do empreiteiro Manuel Caldeira em produzir vinho na serra de Poiares. Veio de uma cisma de infância, depois de este filho do feitor de uma quinta ouvir dizer ser aquele o melhor chão de vinho do Douro Superior. Foi adquirindo propriedades até chegar a 250 hectares, 140 deles de vinha, que se perdem de vista.

Na gestão da empresa, que há ano e meio inaugurou uma adega moderna e panorâmica, conta há oito anos com o genro Pedro Martins – portuense que trocou a Invicta por Freixo, e a engenharia pela vitivinicultura. Fala com paixão do ofício, contando como o último vinho do porto o fez ficar na adega até às seis da manhã, para apanhar a hora natural para juntar a aguardente. O resultado, ainda sem estágio em madeira, é um bálsamo de intenso perfume.

Manuel Caldeira teve, tanto ali na Quinta dos Castelares como na Adega Cooperativa de Freixo, da qual é vice-presidente, um papel importante, ao colaborar na recuperação da códega de larinho, uma casta autóctone que estava em desuso. Mesmo não sendo uma quinta, também se pode visitar a Adega de Freixo, onde se faz o vinho Montes Ermos. O presidente da cooperativa que representa 700 produtores de vinho, azeite e azeitona, José Santos, conduz com gosto os visitantes pelas instalações modernas onde esteve e almoçou, no verão do ano passado, o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa – um facto que ainda se narra em Freixo com empolgamento.

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José Santos, presidente da Adega Cooperativa de Freixo de Espada à Cinta.

 

«Desde 2000 houve um salto nesta adega, que dantes nem se podia mostrar a ninguém, Modernizámos tudo, com cubas de inox, lagares e os resultados começaram a aparecer», conta José Santos. De produzir só vinho generoso, a Adega de Freixo dedicou-se ao vinho do Douro e hoje vende um milhão de garrafas e outro milhão de bag-in-box, e acumula prémios internacionais. Dois novos pavilhões na zona industrial permitiram isolar o engarrafamento e armazém, onde quase não há vinho. «Isto vai depressa…», sorri José Santos. O espumante Montes Ermos da campanha de 2016, por exemplo já esgotou há muito. A boa notícia é que todos os vinhos, azeites e azeitonas se podem comprar na loja da cooperativa, aberta todos os dias.

Bem diferente destes lugares de vinho é a Quinta de Maritávora que fica à entrada de Freixo e está desde 1870 na mesma família, tendo sido fundada por José Junqueiro Júnior, pai do poeta Guerra Junqueiro. É um seu trineto, Manuel Gomes da Mota, que ainda gere a pequena empresa, com 15 hectares de vinha e 35 hectares de olival, naquela que ele diz ser «provavelmente a mais pequena adega do Douro». É um lagar de escala familiar e uma pequena adega, que o agrónomo e enólogo Norberto Bonifácio mantém com impecável apresentação, na casa original da família.

E ninguém diga que esteve em Freixo se não fez o passeio de barco pelo Parque Natural do Douro Internacional, com partida do cais da Congida. São cerca de duas horas de cenários de encantar, neste canal bravio que separa Portugal e Espanha. O passeio é uma promoção conjunta de Freixo de Espada à Cinta e do município espanhol de Vilvestre, e apenas não se realiza entre novembro e março (a não ser para viagens organizadas). (10h30 ins de semana e feriados; segunda a sexta apenas grupos a partir de 15 pessoas – 279653480)

Além do encanto da viagem pode contar-se com as histórias contadas pelo guia Edson, que vai falando de vinhas e oliveiras, amendoeiras e pombais, cegonhas e lontras, oliveiras milenares e ainda sobre o manuelino, o castelo, as lendas de Freixo. É uma boa forma de dizer adeus, ou olá, a este encantador cantinho de Portugal.


Manuelino, seda e memórias de Guerra Junqueiro

Se Freixo é ou não a vila mais manuelina de Portugal, não há como saber em rigor. Mas é intrigante como uma pequena povoação do interior remoto de Portugal, muito isolada nos tempos do florescimento do manuelino, ostenta tantas marcas deste estilo artístico. A explicação reside no refúgio que muitos judeus espanhóis, em fuga da Inquisição, ali encontraram.

Foram estas famílias, maioritariamente comerciantes, que tiveram os meios financeiros para pagar aos mestres pedreiros que dominavam a arte. Pelas ruas de Freixo, há janelas e portadas manuelinas das composições mais simples às mais detalhadas e, no posto de turismo, pode recolher-se um mapa para as percorrer a todas.

Nesse caminho, pode-se entrar em mais dois lugares que ajudam a revelar a alma de Freixo, sendo um deles o Museu da Seda e do Território, lugar dedicado à história do concelho desde o início da ocupação humana e ainda à tradição da seda, com artesãs a trabalhar ao vivo, extraindo dos casulos os filamentos da seda. Há ainda um espaço evocativo do poeta Guerra Junqueiro, que ali nasceu em 1850, criado na sua casa natal.

Reportagem publicada originalmente na revista Evasões – fevereiro de 2017.

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