Castro Marim: passeio pelo Algarve profundo e genuíno

Flor de sal colhida à mão, peixe do Guadiana, frutas de época apanhadas no quintal. Em Castro Marim não é preciso olhar para longe em busca daquilo que é bom.

Com a Companhia das Culturas como ponto de partida e de chegada, traçamos o roteiro de um Algarve que viu chegar a modernidade, os empreendimentos, as modas, mas não se deixou deslumbrar. Afinal, matéria para deslumbramento já ele tem por natureza.

Francisco Palma Dias apresenta o primeiro prato que é posto sobre a mesa. Um consomé de ruderais, «plantas que crescem onde há ocupação humana»: urtigas, dentes-de-leão, talos de cardo. Tudo apanhado em redor da casa. Prova-se e tem o sabor de um dia de primavera em campo algarvio.

Sobre a mesa da Tal Qual – Petiscaria há também cenouras à marroquina, azeite de produção própria de azeitona maçanilha e pão de São Pedro de Solis, feito a partir de trigos autóctones. Francisco, uma enciclopédia em matéria de «cozinhas sulitanas», aproveita para exaltar as qualidades deste exemplar pão, o seu papel matricial na culinária do Sul. E quem tem a sorte de o ouvir delicia-se com as suas palavras.

Sobre a mesa da Tal Qual – Petiscaria há também cenouras à marroquina, azeite de produção própria de azeitona maçanilha e pão de São Pedro de Solis, feito a partir de trigos autóctones.

 

 

 

O desfile continua: salada de acelgas e queijo de cabra, favas «em leite» (isto é: ainda tenras, de primavera) com paio do cachaço de porco preto, fritada de silarcas com talos e folhas de cardo, estupeta de atum com nêsperas e borragem. Por fim, laranja laminada com azeite, mel e nogado de pinhão, uma sobremesa de dias quentes, gulosa sem parecer culposa. Tudo produzido na propriedade, na aldeia, no concelho ou no Algarve, por esta ordem. Mesmo o vinho vem de Tavira, assinado pela Casa Santos Lima – o Al-Ria, em rosé e num tinto reserva que é uma verdadeira surpresa.

Francisco nasceu em Castro Marim, filho do médico da terra, pelo que teve a oportunidade de estudar fora. Cursou comunicação em Bruxelas, viveu depois com uma comunidade budista e acabou por estar ligado à abertura dos primeiros restaurantes vegetarianos de Lisboa. Por volta dos seus cinquentas, regressou à casa de partida. Isto é, à fazenda da avó, na aldeia de São Bartolomeu, onde passara as férias de infância.

Custava-lhe imaginar o sítio condenado ao abandono, portanto tomou-lhe a mão, após a morte do pai. Recuperou a atividade agrícola, de produção de alfarroba, figo e laranja nestes 40 hectares de bosque e pomar à beira da EN125 – resistindo, de caminho, aos valores avultados que lhe foram sendo oferecidos por construtores.

Há nove anos, decidiram, ele e a mulher, Eglantina Monteiro, transformar a fazenda na Companhia das Culturas. «Um anti-resort, como alguém já nos chamou», brinca ela. Nove quartos e quatro apartamentos sem televisão nem wi-fi (isto é: há-a, mas apenas na sala comum). Um reduto de tranquilidade num Algarve em ebulição. Não é a única «aldeia gaulesa» nas imediações. Castro Marim fica a 5 quilómetros na direção do Guadiana. E é, ela própria, uma cápsula do tempo, ruas tranquilas, casas baixas e sem grandes delírios arquitetónicos à parte dos exuberantes rendilhados da arquitetura tradicional algarvia. E vistas amplas, um horizonte largo de campo para poente, e salinas em todas as outras direções que se olhe.

O Castelo impõe-se não só pela posição elevada mas também pelo tamanho: no seu interior parece caber toda a vila.

Pensa-se, à partida, que não há muito que ver nesta vila com pouco mais de 3 mil habitantes. Até que se sobe ao castelo, imponente não só pela sua posição privilegiada, 360 graus de panorâmica desimpedida, mas também pelo tamanho – hectare e meio, quase se pode arriscar que toda a vila caberia aqui dentro (mas, se não chegar, há ainda o Forte de São Sebastião, na colina oposta).

Entre muralhas, os espaços livres, salpicados de papoilas e malmequeres, estão ocupados por estruturas de madeira – palanques, telheiros, até uma berlinda. Os Dias Medievais só acontecem em agosto, mas a infraestrutura do evento é mantida ao longo do ano, o que dá à fortaleza o ar de ter estado em funcionamento não há assim tanto tempo.

Para além do imaginário medieval, visitar o castelo é também mergulhar na história da vila, recuperada num pequeno mas valioso núcleo museológico e nos painéis informativos colocados na igreja de São Tiago. Numa leitura rápida, descobre-se que Castro Marim foi, afinal, a primeira sede da Ordem de Cristo. E que a sua importância vem de muito antes. De séculos anteriores à era cristã, marcados pelo contacto com Cádiz, com a costa de Málaga e, indiretamente, com Tiro, Cartago, Grécia.

A então Baesuris entra nas grandes rotas comerciais e torna-se um foco de entrada de inovação – a tecnologia de trabalho do barro e de moagem dos cereais, a introdução de espécies domesticadas como o burro, até a entrada de alguns produtos na alimentação, como os matriciais coentros ou a lide da vinha e do olival. A tal dieta sulitana de que Francisco Palma falava terá tido, também ela, o seu quilómetro zero aqui.

O sal, moeda de troca para estas relações comerciais, é, desde tempos longínquos, a grande riqueza de Castro Marim.

O sal, moeda de troca para estas relações comerciais, é, desde tempos longínquos, a grande riqueza de Castro Marim. E a flor de sal artesanal é a joia da coroa. Das salinas em redor saem os produtos da sobejamente conhecida Salmarim, mas também de outras marcas que, embora com menor notoriedade, extraem o «ouro branco» algarvio. Entre elas, a Terras de Sal, cooperativa local de produtores, que tem um armazém/sala de embalamento a fazer também as vezes de loja na Rua de São Sebastião.

Estão lá a flor de sal tradicional, os preparados para tempero de saladas e de carnes, mas também algumas inovações, sob a marca Raw, como a flor de sal com vinho do porto, «ótima para carnes assadas no forno», recomenda, do outro lado do balcão, Natália Faísca.

É natural que tudo isto abra o apetite. E aí, não havendo vontade de fazer um quilómetro que seja, são nem 10 minutos de caminhada pelo centro da vila (descontando já um pedaço para ficar a admirar a surpreendente igreja de Nossa Senhora dos Mártires da Praça 1º de Maio) até encontrar o Manel d’Água. É um restaurante simples, de sala luminosa, decorada a elementos náuticos, que serve acima de tudo peixe e cumpre o propósito de saciar o estômago e a ânsia por sabor a férias. E a gulodice: o folhado de dom rodrigo é motivo suficiente para segunda visita.

Três portas acima, no antigo mercado municipal agora convertido em posto de turismo, outra montra de produtos regionais – não só o sal, que tem um balcão dedicado, mas também cestaria, compotas, infusões, produtos de cosmética. Um mercado algarvio em ponto pequeno, com a música de Paco de Lucia a preencher o ambiente. Afinal, descobre-se, também ele tem raízes em Castro Marim: a sua mãe, Lúcia Gomes, era algarvia. E, em 1981, o mago da guitarra dedicou um disco a ambas – à mãe e às raízes. Chamou-lhe Castro Marín, banda sonora perfeita para um passeio entre salinas.

Em 1981, o mago da guitarra Paco de Lucía dedicou um disco à mãe, algarvia, e às suas raízes. Chamou-lhe «Castro Marín», banda sonora perfeita para um passeio entre salinas.

Cá fora, um letreiro promete «o melhor peixe grelhado da região». Nesse quesito, porém, importa rumar à praia de Altura. Isto porque, se o assunto é mar, é difícil superar Fernando Nunes e o restaurante que leva o seu primeiro nome, faz 23 anos, onde os tesouros da costa algarvia são tratados com mão certeira.

Basta ver o entusiasmo com que fala da corvina do Baixo Guadiana, do camarão de Monte Gordo, do petisco que faz com a cabeça do atum sempre que lhe calha ter de desmanchar um bicho de 180 quilos. Mas depois vê-se o mesmo gosto pelo borrego que manda vir da serra, o porco preto de Cuba, a carne de vaca de Beja.

A melhor pergunta que lhe podem fazer é «O que vou comer hoje?», e essa é também a melhor recomendação que se pode dar a quem lá desaguar. No prato, poderão cair feijoada de aparas de atum, carabineiros que ainda trazem a frescura do mar e o gosto do fogo, lagostins com maionese, caldeirada de espinheta, uma suculenta cabeça de cherne que é todo um festim para quem adora peixe. Há que confiar em quem sabe.

Sem surpresa, o Fernando é uma das recomendações que Eglantina dá aos hóspedes da Companhia das Culturas que se aventuram a deixar o conforto da espreguiçadeira. Aliás, a ideia é mesmo encorajar as pessoas a sair do «casulo», faz parte da tal filosofia de «anti-resort» – e da ideia de quilómetro zero. Mas também são recomendados outros restaurantes mais terra-a-terra, entre eles o Pão Quente, logo ali ao lado, em São Bartolomeu.

No hammam, que recupera a tradição mediterrânica dos banhos de vapor, os óleos utilizados nas massagens são provenientes de plantas da serra em redor de Alcoutim.

E, já que se fala de explorar a região pelo estômago, os bolos e biscoitos da pastelaria A Prova, no Azinhal, ou mesmo um passeio a pé até à vizinha Quinta da Fornalha, que, mais do que concorrente, é parte de um mesmo ecossistema – e tem, na loja, a sua produção própria de manteiga de alfarroba, trufas de figo, de azeites aromatizados, assentes num projeto de agricultura sustentável. Fomentar boa vizinhança é uma das prioridades da Companhia das Culturas. Mesmo no hammam, que recupera a tradição mediterrânica dos banhos de vapor, os óleos utilizados nas massagens são provenientes de plantas da serra em redor de Alcoutim.

Ainda a propósito de boa vizinhança, repare-se nos pequenos-almoços: os ovos servidos com espargos vêm de galinhas da aldeia, e as compotas e sumos são feitos tanto com frutas da quinta como com as que os vizinhos vêm trazer. Depois, há mimos como nêsperas recheadas de muxama de atum, o iogurte natural de cabra e o queijo fresco do Portal do Queijo, de São Brás de Alportel, e o pão, o tal pão, de São Pedro de Solis. Curiosa particularidade: o pequeno-almoço é servido a partir das 09h00, não há pressas, e dura até às 12h00. (Os madrugadores podem sempre aproveitar para fazer yoga no estúdio forrado a cortiça ou para dar bom uso aos mapas ilustrados que convidam a passeios pela quinta.) Afinal, é para quebrar rotinas que existem sítios como a Companhia das Culturas. O Algarve começa aqui.

 

Uma roadtrip Algarvia

Por estradas novas, de Castro Marim até Alcoutim, no interior mais interior do Algarve, leva-se meia hora. No entanto, quem se aventurar pelos caminhos antigos e curvos das estradas municipais 1063 e 507, não só ganha mais 30 minutos de passeio, como traz de regresso um cenário surpreendente, feito de serra, água e vistas largas. Um cenário que poucos imaginam encontrar tão a sul. De percurso, várias paragens possíveis: para provar o ensopado de enguias da Cantarinha do Guadiana, em Laranjeiras, para ver a villa romana do Montinho das Laranjeiras, para trepar ao castelo de Alcoutim e, em havendo vontade, atravessar até Espanha de barco. As pressas ficam para o caminho de regresso, que se faz já ao lusco-fusco, pelas estradas novas.


Reportagem publicada originalmente na revista Evasões semanal – maio 2017.

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