Caminho Português da Costa: viagem interior junto ao mar

Situado entre o Porto e Valença, o Caminho Português da Costa para Santiago de Compostela atravessa aldeias, vilas, cidades, campos, rios, igrejas e um sem número de monumentos. Um legado que remonta ao século XV, agora revitalizado, que vai muito para além da religião. Uma viagem (interior) quase sempre com o mar no horizonte.

Se uns peregrinos cumprem a rota de mochila às costas, pernoitando em albergues, outros preferem contratar empresas que lhes desenham o programa, reservam hotéis e carregam as malas. É o caso da Portugal Green Walks, gerida por Paulo Almeida Lopes, que, independentemente do grau de esforço ou “mordomia” de cada um, não duvida: fazer o Caminho é uma experiência transformadora. «As pessoas, no final, sentem-se outras. Muita gente, quando chega a Santiago, desata a chorar. Há uma energia naquela praça. Só quem vive.»

É justamente na Praça do Obradoiro, diante da imponente Catedral de Santiago de Compostela, que se encontra o alemão Hubert Maier, acabado de percorrer o Caminho Português da Costa. Tal como tantos outros, não foi movido pela religião. Tinha duas semanas livres, curiosidade de saber como seria andar 20 quilómetros por dia e algumas «coisas em que pensar», por isso resolveu partir. Garante que houve questões que se aclararam. Tomou algumas decisões.

Além da devoção religiosa, a introspeção é uma das maiores motivações. Há pessoas que fazem o Caminho porque «querem mudar de vida», outras porque apreciam «a parte cultural e arquitetónica» e há ainda quem queira «testar os seus limites», acrescenta Paulo Almeida Lopes. Como «aquela» cliente americana, em cadeira de rodas, que «demorou um mês a fazer o que se faz numa semana», mas fez.

José Costa, técnico superior de turismo da Câmara de Esposende, um dos dez municípios abrangidos por este trajeto, completa: «hoje, os peregrinos fazem o seu próprio caminho interior». Uma peregrinação diferente do que acontecia antigamente, cada vez mais feita «de cabeça levantada», com o intuito de «visitar, ver, sentir, cheirar».

Uma viagem de pessoas

Antes de partir convém perceber ao certo ao que se vai, neste caso um percurso de 149,5 quilómetros, entre Porto-Valença, aos quais se juntam mais 108,5 quilómetros até Santiago de Compostela. 258 quilómetros no total.

Tudo começa na Sé do Porto, cujo claustro velho teve em tempos uma capela dedicada a Santiago, conta Manuel Araújo, técnico superior do Arquivo Histórico Municipal. É peregrino há 21 anos e investiga os caminhos há «25 ou 30». É na Sé que se adquire a Credencial do peregrino, documento que dá acesso a albergues e vai sendo carimbado em vários locais, como prova de que se cumpriu o percurso.

Hubert, Paulo, José, Manuel, Rita, Zélia, seja no princípio, no meio ou no fim, os nomes de pessoas com que nos vamos cruzando multiplicam-se. Esta é também uma viagem de pessoas, mesmo para quem opta por ir sozinho. E não se pense que todas vão a pé. A pé, de bicicleta e até de caiaque, todos os meios de transporte são válidos.

Foi o que fez Belmiro Penetra, antigo atleta olímpico de canoagem. Em 2010 foi de caiaque de mar entre Esposende e Padrón. Depois, sim, seguiu a pé até Santiago. Responsável pela Proriver, empresa que promove passeios fluviais e desportos náuticos em Fonte Boa, leva agora os peregrinos de uma margem à outra do rio Cávado numa réplica da embarcação medieval. Fá-lo a custo zero. «Quando eu fui a Santiago também houve pessoas que ajudaram por nada».

Travessia do Rio Cávado em réplica de embarcação medieval, em Fonte Boa, Esposende. Fotografia: Igor Martins/GI

Esposende é um dos pontos de passagem (e paragem) obrigatória, havendo dois itinerários possíveis: o mais antigo, de fundação romana, que cruza o rio e chega à Barca do Lago vindo de São Pedro de Rates; e outro, mais costeiro, com passagem pela Apúlia. Independentemente do percurso escolhido, cai bem uma pausa no restaurante Água Pé, que serve peixe de mar e clarinhas de Fão – doce conventual com recheio de chila.

O incentivo bastante para continuar até Viana do Castelo, a cerca de 30 quilómetros, cidade onde se entra pela Ponte Eiffel, com passagem pela Santa Luzia a meia encosta e pela Igreja de Castelo do Neiva, o mais antigo templo consagrado a Santiago fora do território espanhol.

Havendo fome de conforto, pode ser saciada de dois modos – no FeelViana, um sport hotel luxuoso, mas descontraído, com spa e pequeno-almoço buffet energizante – ou na Tasquinha da Linda, restaurante especializado em peixe e marisco onde Deolinda Ferreira serve como se estivéssemos em casa. Melhor do que em casa.

Mente sã em corpo são

Ao longo do percurso tanto é possível ver capelas e cruzeiros como comer, beber e descansar”, observa o guia Nuno Barbosa, da empresa Viv’Experiência, já depois de Viana do Castelo, entre Areosa e Carreço. E aprender. À passagem por uma alminha do século XIX explicam-nos que estas, além de terem uma missão evangelizadora, surgiam nos caminhos «porque se acreditava que todo o cristão ia a Santiago, em vida ou depois de morto», cabendo às velas guiar a alma.

Alminha na zona da Apúlia, em Esposende.
Fotografia: Igor Martins/GI

Mais adiante, destaca-se a Capela da Boa Viagem, que disponibiliza um alpendre para pernoita. Antigamente os marinheiros que saíam do porto disparavam um tiro de canhão, pedindo a graça de uma boa viagem. Segue-se o café-minimercado Central, que tem um livro do peregrino assinado por gente de vários países. Alguns vão com mazelas, mas Helena Ramos, do outro lado do balcão, garante: «Nunca vi nenhum – e têm passado muitos – que fosse triste ou arrependido de ter começado».

Ainda na freguesia de Carreço, na chegada à Casa do Sardão, as atenções voltam-se para a égua Branca, que se aproxima da estrada para receber festas. É de Hugo Lopes, que dava aulas de Educação Física em São Tomé e Príncipe quando decidiu converter a casa da família num albergue, identificado com «o sentimento dos Caminhos de Santiago, o espírito de partilha».

A partir de Vila Praia de Âncora e até Moledo, em Caminha, o traçado é sempre feito junto ao mar. Uma espécie de força extra. As ondas embalam a viagem, que no nosso caso passou também pelo Paço do Outeiral/Hotel Boega, em Gondarém, Vila Nova de Cerveira – propriedade declarada, em 1666, «caza dobrigação para passageiros e mendigos que nela quizerem dormir».

O Caminho Português da Costa, marcado do Porto até Valença, faz-se muitas vezes com o mar no horizonte. Fotografia: Igor Martins/GI

Vale a pena abrandar o passo no centro histórico da vila e fazer uma visita ao Castelo, onde chegou a funcionar um hospital que assistia peregrinos. Quem tiver pressa de entrar em Espanha pode atravessar o rio aqui mesmo, ou seguir em território português mais 15 quilómetros, até Valença. Seja por onde for, depois de mais de meio trajeto cumprido começa-se, finalmente, a acreditar que todos os caminhos vão dar a Santiago.

Depois do esforço, o abraço ao apóstolo

Santiago. A Catedral. A sensação de dever cumprido, independentemente da motivação de cada um. E o que o que é se faz depois de tantos quilómetros e cerca de uma semana a caminhar? Reza-se, chora-se, descansa-se? Nisto da fé e do esforço não há um guião pré-definido, mas quase ninguém abdica visita à tumba e o abraço à estátua do apóstolo. A emoção de ver finalizado o Caminho, explica a guia Maria Chamadoira.

Rita Simões e Zélia Pedro, da zona de Setúbal, não são exceção. Também foram à missa e descansam agora na Praça do Obradoiro, voltadas para a Catedral. Rita já tinha feito o Caminho Inglês mas voltou, até porque estar naquela praça «é assim um encher o peito». Falta outro ritual para finalizar a aventura com chave de ouro: comer, é claro, neste caso no restaurante Maria Castaña, que serve tapas e outros pratos de «comida tradicional galega com um toque inovador». Um pouco à semelhança do próprio Caminho, uma peregrinação ancestral, não obrigatoriamente religiosa, que, passo a passo, se vai reinventando e estendendo a mão às novas gerações.

Na Catedral de Santiago de Compostela, além da missa do peregrino, há possibilidade de confissão em várias línguas.
Fotografia: Igor Martins/GI

20 quilómetros por dia

Porto, Matosinhos, Maia, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Esposende, Viana do Castelo, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Valença são estes os concelhos por onde passa o Caminho Português da Costa. Resultou de uma candidatura conjunta ao programa Norte 2020, com vista à sua conservação, promoção e desenvolvimento. 149,5 quilómetros (entre Porto-Valença) com nível de dificuldade médio-baixo e que se fazem em mais ou menos sete dias, à média de 20 quilómetros por etapa. Mas é claro que ninguém vai só até Valença. Até Santiago são mais 108, 5 quilómetros, 258 no total. A entrada em Espanha faz-se por Tui, atravessando a ponte sobre o rio Minho, em Valença. É possível fazer a travessia mais cedo, em Caminha e Vila Nova de Cerveira.

Conselhos para uma peregrinação abençoada

– Antes de partir convém fazer uma preparação física, com exercício diário.

– A mochila deve ter apenas 10% do peso da pessoa.

– Elaborar um plano de etapas.

Levar sapatilhas de caminhada ou botas de trekking leves e impermeáveis.

– Usar meias de caminhada sem costura.

– Evitar calçado novo e levar uns chinelos ou sandálias.

– Utilizar várias camadas de roupa ligeira, chapéu e bordão.

– O saco-cama não deve ser esquecido, caso se opte pelos albergues.

O site caminhoportuguesdacosta.com é uma boa ajuda na preparação.

– Existe também uma app gratuita com o percurso e pontos de interesse.

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