Deriva de gateman, ou guarda do portão, a palavra Yeatman, o que por si só já denuncia a exclusividade deste lugar único dos altos de Vila Nova de Gaia para que somos transportados quando procuramos a mesa do chef Ricardo Costa. É nome de hotel, este que se insinua como guardião dos tesouros inefáveis das artes culinárias e dos vinhos de todas as proveniências. Chef de poucas palavras e detentor de invejável arsenal técnico, o sempre jovem cozinheiro dedicou-se em todos os postos que ocupou às cozinhas de proximidade, inventariando e experimentando até ao limite proteínas, receitas e temperos, ousando sempre, como é apanágio dos grandes.
Quando aceitou integrar a equipa inaugural da fabulosa unidade hoteleira já sabia a que sabiam as estrelas – Casa da Calçada, em Amarante – mas foi com particular gozo que viu assentar o cobiçado macarron pouco tempo após o agitar da sua batuta.
Combate a seu lado a biónica e sábia Beatriz Machado no capítulo vínico, que nos seus jantares temáticos deixa clara a seriedade e profundidade da sua arte. Os modos de usar são basicamente dois, à carta ou através de menus de degustação. Na primeira abordagem, que é sempre um caminho canónico e portanto aconselhável, povoam os «Pratos de sempre», preciosidades do livro de receitas do chef, tais como o foie gras & pera, amálgama texturada do dito com pera bêbeda e pain d’épisses (32€), onde houve lugar a trabalho de filigrana na junção das partes para construir o todo, e o notável peixe galo, que é uma caldeirada deste, ovas e carabineiro (42€, duas pessoas) que nos faz concentrar e perceber melhor o nosso mar. Ideal é percorrer o menu do chef (140€, dez pratos), experiência gastronómica (110€, seis pratos) ou uma opção parcial (60€, quatro pratos). Levanto três véus destas exigentes empreitadas, todos a abrir para outras três perplexidades.
O robalo, cozinhado no vapor com algas, ravioli de bacalhau e molho de beurre blanc, traz prova oral consigo, porque nos força a interrogar em voz alta sobre a surpresa intermitente de texturas e sabores reunidos numa solução eminente e patrimonial. É trabalho que Ricardo Costa tem ao longo da sua carreira mostrado de formas diversas, já se vê que bem e em modo desinstalado, como convém a um criador. A lampreia & foie gras foi roubada ao catering do Olimpo! A odiada e bocarruda criatura está aqui sensível e dada à mastigação como raramente acontece nos seus banhos de beleza, num contrato improvável mas bem sucedido com a clássica preparação de fígado gordo. E o porco bísaro, defendido aguerridamente pelo nosso chef na forma de chanfana, faz-me reclamar mas não vale a pena, temos de ser largos e magnânimos nos nomes que se dão aos pratos. Fico com o sentido no senhor das chaves – o tal Yeatman – para que tocando-lhe ao ferrolho sempre mo abra assim glorioso.
The Yeatman
Rua do Choupelo, 88, Vila Nova de Gaia
Tel.: 220133100
Preço: 50 euros
Das 12h30 às 15h00 e das 19h30 às 23h00. Domingo, das 13h00 às 15h30 e das 19h30 às 23h00
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Este artigo foi publicado originalmente na edição 02 da Evasões, a 10 de abril de 2015. Foi atualizado a 23 de novembro, após anúncio dos restaurantes distinguidos pelo Guia Michelin 2017.