Crónica de Luísa Marinho: a propósito do 31 de Janeiro

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Praça dos Poveiros, no Porto (Fotografia: Pedro Correia/GI)
Na Praça dos Poveiros há um edifício que está intrinsecamente ligado à história da primeira tentativa de implementação da República em Portugal.

Há uns 15 anos, quando me mudei para os lados dos Poveiros, esta praça famosa pelas sandes de pernil da Casa Guedes, os petiscos do Buraquinho e a Tendinha dos Poveiros, sítio onde se ia para ouvir música e beber os primeiros copos da noite ou espreguiçar ao sol na esplanada nos finais de tarde amenos, tinha a maior parte dos seus edifícios em mau estado. O que não destoava muito do resto da Baixa. Mesmo assim, afeiçoei-me rapidamente à praça, por ser sítio de encontro entre vizinhança e ponto estratégico que está tão perto da Baixa mais movimentada como da zona mais tranquila do Bonfim e do tradicional bairro das Fontainhas.

Um dos tais prédios degradados chamou-me desde logo a atenção: o penúltimo edifício antes de se entrar na rua que liga à Batalha, um prédio de tons verde e castanho de quatro andares – provavelmente do século XIX – destaca-se pelo seu quarto andar recuado que dá origem a uma varanda que pelo tamanho se pode chamar de terraço.

Na sua fachada, podia ler-se «Casa onde foi fundado o Centro Democrático Federal 15 de Novembro cuja bandeira foi hasteada no edifício da Câmara Municipal do Porto na Revolução do 31 de Janeiro de 1891». Isto aumentou a minha curiosidade. Dali terão saído alguns dos republicanos que tentaram implementar a República nessa data. Este centro era um dos vários clubes republicanos que aparecerem em finais do século XIX. E um dos mais radicais, tendo o seu nome sido inspirado pela instauração da República no Brasil, que aconteceu, precisamente dois anos antes, em 15 de novembro.
Neste últimos anos, esta zona foi-se tornando cada vez mais movimentada e os negócios floresceram. Apareceram novas casas de francesinhas, de petiscos e aquela parcela da praça renovou-se. Muitos dos prédios degradados foram reabilitados – outros estão a ser – e este, onde no rés-do-chão funciona uma loja de objetos mais ou menos úteis a baixo preço, continua a degradar-se. Num dos invernos passados, a placa que identificava a casa caiu. Mas a memória permanece noutra placa da Associação Cívica e Cultural 31 de Janeiro: Homenagem aos Republicanos do 31 de Janeiro de 1891.

Quando chega janeiro, a presença daquele edifício torna-se mais forte. Não consigo deixar de pensar nas reuniões secretas envolvidas pelo fumo dos charutos e cachimbos de maçons patriotas e nos slogans inflamados dos revoltosos. Mas isto é especulação. Pouco se sabe do que se terá passado naquele edifício. A revolta não partiu dali mas sim do quartel do Campo de Santo Ovídio, hoje muito a propósito, Praça da República. Desceu a Rua do Almada com direito a fanfarra militar e tudo, a entoar A Portuguesa. Na câmara que ocuparam, Alves da Veiga, presidente do centro, hasteou a bandeira do mesmo – vermelha e verde. Tudo terminou umas horas depois com a intervenção das forças monárquicas que fizeram mortos e feridos na Rua de Santo António, que, em homenagem se veio a chamar Rua 31 de Janeiro.

Passam agora 128 anos daquele importante acontecimento da história da cidade. E não deixa de ser interessante ver os anos passarem pelo tal edifício, que se deteriora diariamente, lembrando que o tempo não pára nem poupa o passado. E que só no presente é possível agir. Afinal, é sempre no presente que as revoluções se imaginam.

 

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