Crónica de João Mestre: não quero sentir-me em casa, quero fazer sala

É isto que quero num restaurante. Comer bem, sim, a preço justo, também, e ser bem-recebido, mas sobretudo estar confortável e não ter ninguém a apressar-me. Que é como quem diz, fazer sala.

É uma promessa. «Queremos que o cliente se sinta como se estivesse em casa». Perdi a conta às vezes que já ouvi isso, da boca de chefs, gerentes, chefes de sala, donos de restaurantes. A coisa é bem-intencionada, e pode até fazer algum sentido, se nos abstrairmos da ideia de que, se todos se comportassem como se estivessem em sua casa, os restaurantes deixariam de ser sítios agradáveis. Correndo o risco de soar quadrado, tenho de admiti-lo: por muito que goste da minha casa, quando vou a um restaurante quero sentir-me como se estivesse num restaurante. Porque, não desprezemos isto, os restaurantes são sítios especiais, mesmo aqueles que são simples e despidos de pretensões por aí além.

Melhores ainda são aqueles que nos fazem sentir especiais, pelo mimo do trabalho da cozinha, pela atenção no serviço de mesa, pela atmosfera acolhedora. E, detalhe gigante, pelo conforto – curioso é que boa parte dos lugares que nos querem fazer sentir em casa esqueçam essa qualidade tão caseira. Em particular aqueles que alinharam na moda das cadeiras desirmanadas, leia-se velharias compradas ao acaso e meramente para obedecer a critérios estéticos. Quem já aturou molas que teimam em furar o assento, pernas desengonçadas e encostos marrecos sabe do que falo. Vai-se a graça ao fim de 10 minutos e, ao cabo de uma hora, já queremos estar dali para fora. Logo eu, que gosto tanto de fazer sala.

Falemos então de sala. Afinal, trata-se da divisão mais composta da casa. E a mais civilizada, não é à toa que nela recebemos as visitas. Quando vamos comer fora, é disso que precisamos, de restaurantes apostados em que o cliente faça deles a sua sala. São esses que nos fazem sentir bem-vindos. Especiais, lá está. E tudo isso começa, tal como começou esta reflexão, com cadeiras confortáveis.

Há um par de semanas, estreei-me no Laurentina, autoproclamado «Rei do Bacalhau», em Lisboa. Tarde o fiz, esse foi o único arrependimento. De resto, comida, vinhos, ambiente, tudo ótimo, e, cereja no topo, um daqueles empregados de mesa que mereciam uma estátua à porta. Tudo para nos sentirmos especiais. Ao cabo de três horas à mesa, dei pelo tempo: três horas! A culpa, apercebi-me então, foi da cadeira. Confortável, desenhada para toda a medida de comensais e elegante, para não destoar do ambiente, mas isso até é o que menos importa. Uma cadeira confortável foi o que tornou realmente especial a refeição. Durante três horas não senti nada a «mandar-me» sair dali.

Na altura da conta, o sr. João, o tal empregado de mesa, pôs-nos ainda mais à vontade: «sem pressas, a cozinha está aberta toda a tarde». Fez-se luz: é isto que quero num restaurante. Comer bem, sim, a preço justo, também, ser bem-recebido, obviamente, mas sobretudo não ter ninguém a apressar-me. Estar à mesa em Portugal é isso mesmo, não é? Comemos, bebemos, conversamos e vamos ficando. Prolongando o momento. Pedir sobremesa, terminar o vinho, depois o café, depois o digestivo. Talvez outro café no fim de tudo. Dei por mim, e sentia-me como se estivesse na minha sala. Mas com cadeiras melhores.

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