Crónica de Dora Mota: Do que é bonito e do que é feio

Opinião de Dora Mota: Do que é bonito e do que é feio
Bugiada e Mouriscada da Festa de São João de Sobrado, em Sobrado (Valongo). (Fotografia de Ivo Pereira/GI)
A ambição de só ver beleza é uma forma de ganância. Para uma viagem verdadeira e engrandecedora pelos lugares, é preciso apenas o coração aberto à diversidade.

Quanto mais vou conhecendo o meu país, mais me é difícil classificar um lugar como sendo declaradamente feio ou bonito – sem, pelo menos, acautelar a sua complexidade. O que significa afirmar, sobre uma região, cidade ou aldeia, rua ou bairro, que é bonito ou é feio?

É frequente, no âmbito do meu trabalho – e ainda mais agora que me demoro em cada terra apurando o que nela é interessante para visitar -, surpreender-me com a beleza não imediata do sítio, das suas pessoas e das suas histórias. Posso dizer que me habituei a esperar pela revelação da beleza. Ou pelo estalar da fealdade. Ou por uma mistura de ambos em partes desiguais, porque os lugares são como as pessoas, inevitavelmente imperfeitos.

Desejo manter este assunto filosoficamente singelo, por isso vou deixar para outra arena a história das ideias de beleza ao longo dos tempos. O que me interessa aqui é sobretudo falar de empatia e compaixão. Sendo certo que o que pretendo é pedi-las para os lugares tidos por feios – e para isso vou socorrer-me de um livro de uma coleção soberba editada nos anos de 1980 e que agora se encontra, com sorte, nos alfarrabistas, chamada “Novos Guias de Portugal” (Editorial Presença).

É admirável como Helder Pacheco reuniu em grosso livro aquilo que muitos resumiriam em 30 páginas: um riquíssimo roteiro do subúrbio do Porto.

A coleção tem vários volumes, ora dedicados a regiões inteiras, ora às duas maiores cidades e ainda às suas áreas metropolitanas. Tenho quatro volumes: os do Alto Minho e Alto Douro, o do Porto e, aquele que me preparo para citar, o do Grande Porto. Estes dois últimos foram escritos pelo professor, investigador da história portuense e de assuntos ligados à tradição e cultura, Helder Pacheco. É admirável, e comovente, a forma como conseguiu reunir em grosso livro – cheio de documentos visuais – aquilo que muitos resumiriam em 30 páginas. Ao contrário, o livro é um riquíssimo roteiro de ruas, pequenos e grandes monumentos, histórias e lendas, património cultural e religioso e ainda humano de Gondomar, Maia, Matosinhos, Valongo e Vila Nova de Gaia. É para ler apaixonadamente.

O guia abre com uma imagem da bugiada de Sobrado (Valongo), o que vem ao caso – é uma festa de tocante beleza numa terra à qual poucos chamariam bonita. Antes de se lançar pelas ruas e praças destes lugarejos suburbanos, colhendo histórias das suas singularidades, recordando o que ali havia para que não seja esquecido (e lamentava o professor Helder Pacheco a transformação do subúrbio rural do Porto em dormitórios), no título do prefácio o autor revela ao que vai: «Deixar à imaginação os caminhos do olhar». Diz ele: «Existe, em cada lugar, uma razão a dar sentido à diversidade (geográfica, cultural e humana) de um espaço – ainda – fascinante». E pede que encontremos essa razão no «reencontro com as paisagens, as comunidades, o seu caráter, as suas diferenças» – as tais empatia e compaixão a que me refiro.

Não queria roubar a Helder Pacheco o texto para a minha crónica, mas ele diz o que é preciso melhor do que eu: «No desvendar a variedade que subsiste (ou que resiste?) esconde-se a viagem oferecida à vossa caminhada». Sigamos, então, sem a ganância do belo, apenas de coração aberto à viagem.

 

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