Crónica de Luísa Marinho: onde o Douro é mais azul

Miradouro de Santa Catarina, Lordelo do Ouro (Fotografia de André Rolo/GI)
Lordelo do Ouro é território difícil de descrever, entre alguma ruralidade, urbanizações e um rio que se faz gigante a caminho do mar.

Do alto do miradouro de Santa Catarina, em Lordelo do Ouro, onde se encontra uma pequena capela originalmente construída para os marinheiros locais, percebe-se a confluência de “várias” cidades. E nem é preciso enquadrar o lado esquerdo com a Ponte da Arrábida e Massarelos, ou a Afurada e a marina, em frente, nem a vista aberta muito azul, até ao mar. A cidade pode começar mesmo ali, no socalco do outro lado do muro, um quintal bem tratado por onde se passeiam galos e galinhas, entre árvores de fruto e várias plantações. Um ruralismo quase perdido no meio de um território difícil de descrever como é Lordelo do Ouro, freguesia encaixada, junto ao rio, entre Massarelos e a Foz, ponto de muitos contrastes.

Era meados dos anos 1990, tinha 15 anos, quando me mudei da Baixa para Lordelo – para a acabada de erguer urbanização das Condominhas – que só conhecia das aulas de natação no Clube Fluvial ou de alguns passeios de domingo pelo Jardim de Serralves. Nesses anos, não era fácil uma paixão à primeira vista por esta zona, longe de ser tão nobre como a Foz ou tão típica como Massarelos, era um aglomerado um pouco caótico de bairros sociais, urbanizações de classe média, de casas de luxo, algumas apalaçadas, fábricas abandonadas, alguns hotéis. Mas o Lordelo que eu via do terceiro andar da casa nova era diferente: era a Capela de Santa Catarina e o rio largo, e, lá ao longe, a língua de areia que é a praia do Cabedelo e a espuma das ondas que parecia entrar em casa em forma de aragem marítima nos fins de tarde.

Se ao longe o cenário parece idílico, de perto, junto ao rio, perdia todo o encanto. O mau cheiro da ribeira da Granja, que desagua no Douro, emparelhava com o muito lixo acumulado nas margens do rio – eletrodomésticos, sofás, móveis, roupas, plásticos… tudo ao longo de um passeio informe de pedras empilhadas e vários buracos, que, mesmo assim, eu percorria de bicicleta até à Foz, e sempre em perplexidade. Quando, finalmente, a marginal foi limpa e a ribeira da Granja deixou de ser um esgoto a céu aberto, as margens do Douro foram recuperando carisma, como que se reabilitando aos poucos de uma doença. Apareceram as primeiras garças-reais para ocupar o chamado ilhéu do Frade, pedaço de terra mesmo em frente da foz da ribeira. Com o tempo, o estuário foi-se tornando mais povoado.

Diversas aves começaram a fazer companhia aos trabalhadores do pequeno estaleiro que ali ainda existia, ao lado do modesto bar dos bombeiros com as suas cervejas baratas. Volto às vezes, principalmente em dias soalheiros, a esta margem, quase irreconhecível passadas duas décadas. O bar dos bombeiros agora chama-se Douro Chique e a cerveja encareceu. A marginal é percorrida por muita gente: ociosos domingueiros, ciclistas, turistas, famílias. E o estuário é ponto oficial de observação de aves, que se misturam na pequena ilhota. E dá gosto observá-las no seu quotidiano, nos seus pequenos dramas resolvidos à bicada ou em momentâneos voos. No quadro, o Douro estende-se largo, muito azul, brilhante, quase mar, pontuado por pequenos barcos. É o Douro menos soturno, um Porto aberto ao Mundo, como eu o via daquele terceiro andar.




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