Crónica de Luísa Marinho: o Alambique – destilar ideias na Rua Formosa

Café e livraria Alambique (Fotografia de Pedro Granadeiro/Global Imagens)
Aquela que já foi a rua das lojas de instrumentos musicais está rapidamente a transformar-se na rua dos alojamentos locais.

Não é todos os dias que o ambiente barulhento, às vezes frenético, da Redação de um jornal é o ideal para se escrever. Notícias do dia, artigos sobre restaurantes ou pequenos passeios e ideias para novos trabalhos surgem bem num open space cheio de gente a andar de um lado para o outro; e os auscultadores, para abafar o barulho em excesso, ajudam. Mas os artigos mais longos, como roteiros de viagem, ou mais pessoais, como as crónicas, pedem muitas vezes calma e tempo, menos burburinho de teclas e de telefones a tocar.

O meu escritório alternativo à Redação tem sido, ao longo destes últimos três anos, o Alambique, espaço híbrido, na Rua Formosa, que é livraria, cafetaria – com café de especialidade -, galeria de arte e loja de objetos vintage. Quando se passa naquele número 214, há sempre algo que faz parar, olhar e entrar, seja a sua montra bem decorada, as exposições de ilustração, algum objeto curioso à venda – como um set de badminton que provavelmente remonta aos anos 1950 – e, acima de tudo, muitos e variados livros, novos e usados, clássicos e contemporâneos, a histórica coleção Vampiro e uma boa seleção de banda desenhada e novelas gráficas para muitos gostos.

É aqui que me refugio quando preciso de escrever com tranquilidade, com aquela sensação de que o tempo demora mais a passar. Sempre na companhia de um capuccino ou dois. Como todos os espaços que têm aberto na Baixa nos últimos anos, entram pela porta muitos turistas, não em massa como noutros lugares. E até dá gosto vê-los a abrir um sorriso quando começam a olhar para as paredes recheadas de cartazes e para as estantes com miniaturas de barcos e balões de ar quente e cadernos do tempo dos nossos pais ou avós. Não é, de todo, uma loja virada exclusivamente para quem está de passagem. O Alambique gosta e quer ser um sítio para clientes habituais. Todos são recebidos com carinho e disponibilidade pelo Luís, pela Mariana, pela Diana.

E é entre as estantes de livros e com cheiro a café no ar que escrevo esta crónica, uns dias depois de saber que o Alambique vai fechar. O prédio foi vendido e irá transformar-se em mais um alojamento local. Não devia ter sido uma notícia assim tão inesperada. Esta que já foi a rua das lojas de instrumentos musicais – nos anos 1990 até meados de 2000, era aqui que as bandas se abasteciam, antes de a Internet tornar tudo mais acessível – está, rapidamente, a transformar-se na rua dos apartamentos e quartos turísticos. Mesmo assim, nesta fase de mudança, abriram, além do Alambique, outros sítios de interesse.

O alfarrabista Lumière saiu do outro lado da Avenida dos Aliados e assentou na loja em frente desta. Umas portas mais abaixo, o alfarrabista João Soares, despejado da sua histórica loja da Rua das Flores, está prestes a abrir. Ainda cheguei a pensar que por um acaso um pouco incompreensível, os livros seriam em breve a imagem de marca da rua – para além das mercearias finas antigas, que, acredito, estão a salvo. De resto, as muitas obras em toda a rua até podem estar a pôr mais bonita a Formosa. Mas que importa ser Formosa por fora, estando vazia por dentro?l




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