Crónica: Quem disse que não devemos voltar onde fomos felizes?

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(Fotografia: Gerardo Santos/GI)
Por estes dias, rever a minha série preferida de sempre, com outros olhos e maturidade, deixou-me a pensar. “Não devemos voltar onde já fomos felizes”, conta a expressão popular. Na teoria, percebo a premissa. Na prática, é apenas um disparate.

Uma família norte-americana, dona de um negócio funerário, tão apaixonante como disfuncional, ensinou-me que todas as famílias o são também, ainda que à sua própria maneira. Ao longo de cinco temporadas, os Fisher somaram nove prémios Emmy e três Globos de Ouro, recolheram o aplauso consensual da crítica e desbravaram caminho em matérias de escrita inteligente e na reflexão do que é a vida e a morte, a perda e a conquista, a união e a solidão, o preconceito e a liberdade, e tudo o que cabe entre estes.

Por estes dias, dei por mim a rever do início “Sete Palmos de Terra”, indiscutivelmente a minha série preferida de sempre, em modo de celebração do seu vigésimo aniversário. Descobri-a em plena adolescência, regressei a esta nos vintes e voltei a fazê-lo agora, a meio dos trintas. De cada vez, a experiência e a aprendizagem têm sido sempre diferente, nem que simplesmente se deva ao facto de a maturidade, sabedoria e sensibilidade serem outras. Mas também o contexto exterior, além-persona, em que nos inserimos em determinado momento.

Enquanto (re)devorava a série dramática criada por Alan Ball, saltitando de episódio em episódio, num exercício evasivo que me faz abstrair da quantidade de horas a fio que passamos em casa, dei por mim a pensar sobre uma expressão popular. “Não voltes aos sítios onde já foste feliz”, lê-se e ouve-se por aí, volta e meia. De onde surgiu esta ideia e porque resistiu à intemporalidade? São as “Regras da Sensatez”, segundo as cantou Rui Veloso. “Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz / Por muito que o coração diga, não faças o que ele diz”, escreveu o letrista Carlos Tê na década de noventa.

Num plano teórico, é óbvio que percebo a expressão. A premissa é bem clara e tem muito que ver com expectativas. Dificilmente se conseguirá repetir a mesma felicidade sentida no mesmo local ou contexto, em alturas diferentes da vida. Na prática, isto é tão só um disparate. Porque não hei-de voltar a todos os locais onde já fui feliz, ainda que com outros olhos – e talvez motivado até por isso mesmo? É uma perspetiva muito mais saudável do que ficar agarrado a uma eventual nostalgia amarga, olhando para a vida como uma coleção de postais, presos no tempo.

Essa motivação está no topo das prioridades, assim que as atuais restrições e a segurança o permitirem: voltar às encostas verdes do Douro, às falésias imponentes da Costa Vicentina, aos trilhos de serras como a de Aire, de S. Mamede e da Estrela, ao mar quente do sotavento algarvio, às levadas açorianas e madeirenses, às mesas fartas do interior e às aldeias históricas beirãs. E vou ser igualmente feliz, mesmo que doutra forma. Isso ensinaram-me os Fisher.




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