Crónica de Pedro Ivo Carvalho: Férias: vai ser tão bom, não foi?

(Fotografia de Maria João Gala/GI)
Tinha um amigo que costumava dizer que nunca programava as férias grandes porque isso dava tanto trabalho que quando chegava a hora já estava farto de férias.

Há algo de profundamente dilacerante no período que antecede as férias grandes. E há algo de profundamente libertador no período que antecede as férias grandes. Não é, por isso, de forma leviana que, ano após ano, entregamos a alma a este dilema. Queremos muito diluir a massa corporal na água do mar salgado, mas o desgaste provocado durante a fase preparatória é capaz de pulverizar o nosso entusiasmo. Ir de férias é um desporto estival complexo.

A mais importante das lições, e não menos cansativa, é a de sabermos lidar com a frustração quando chegamos ao destino e percebemos que as toneladas de informação que deglutimos sobre o que íamos encontrar constituíram uma perda de tempo. O quarto não era luminoso, a água da piscina não era transparente, a praia, afinal, ficava longe para caraças e o pequeno-almoço não disponibilizava papaia nem doce de abóbora. Tendemos a condescender, pelo menos nós, os que não implicamos com tudo o que mexa, e pensamos: um homem que não consiga governar-se de manhã com pera e maçã também não merece ir de férias. E dessa forma vamos esculpindo uma armadura de desculpas que nos proteja do óbvio.

A realidade nunca é como nos pintam. No verão e no resto do ano. Gosto de pensar, em defesa deste comportamento imprudente, que o risco é uma perigosa fragrância e que, no final, tudo acaba por se encaixar de forma harmoniosa e vibrante. Que nos moldamos às surpresas e que não há nada que um bom livro, uma guitarrada nos ouvidos e uma investida na rebentação não curem.

Tinha um amigo que costumava dizer que nunca programava as férias porque isso dava tanto trabalho que quando chegava a hora já estava farto de férias. Está bom de ver que esse meu amigo, embora carregado de graça, não percebe patavina de programação de férias e que não há necessidade de termos uma visão tremendista do período mais parvo e desanuviante do ano.

Agora imaginem aquelas pessoas que compram a viagem e o hotel com um ano de antecedência e estão meses a fio a absorver, no computador do escritório, um fundo de ecrã com um mar azul-bebé e uma areia pálida, a sonhar em banhar-se naquelas águas, em captar o melhor dos ângulos do pôr do sol só para irritar os que as seguem no Instagram. E, depois de meses naquilo, perderem o avião porque há greve, perderem as malas porque são mesmo azaradas, ou então ficarem tão, mas tão ansiosas que passam a semana inteira de descanso a tentar normalizar as pulsações. Por isso, já sabem: se vos perguntarem alguma coisa, respondam apenas: “Férias? Eu estou sempre de férias”. Ninguém vai acreditar, mas matam o assunto pela base.




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