Crónica de Pedro Ivo Carvalho: afinal, o que é um restaurante caro?

(Fotografia: Pexels/DR)
Da próxima vez que vos perguntarem “Pagaste muito naquele restaurante?”, respondam isto: “Comi tão bem que nem me lembro da conta”. Se é para ser verdadeiro, que seja assim.

Já sei: é um restaurante onde queremos muito ir e não temos como suportar a excentricidade. Essa, porém, é apenas uma das respostas possíveis à pergunta que encima este texto. Porque o conceito é tão mais elástico quanto não tende a ser o dinheiro que guardamos na carteira. Por isso é que eu costumo dizer que o restaurante mais caro em que comi foi o pior restaurante em que comi. E há, infelizmente e ao longo dos anos, um considerável número de exemplos que ajudam a tonificar esta coleção de arrependimentos.

Já me saciei como um imperador romano em restaurantes humildes, mas honestos, onde a comida é preparada com devoção, onde o galanteio do serviço que tantas e tantas vezes faz onerar a conta final é substituído por uma firmeza inabalável nos dotes da cozinheira. Espaços em que se exerce uma doce ditadura sobre o cliente. No fundo, só podemos comer aquilo (de bom) que eles têm para nos oferecer. E quem diz comer, diz beber.

Sempre achei graça a essa desfaçatez de quem exala confiança suficiente no menu para nos condicionar as opções, impondo-nos um gosto. De resto, um dos segredos para uma casa bem gerida, como qualquer empresário ou chef poderá atestar, é fazer bem, e sempre da mesma forma, as poucas coisas que se conseguem fazer realmente bem.

Mas comer num restaurante caro já não tem que ver apenas com a comida. Convencionou-se dizer que agora o que conta é a experiência, as memórias que guardámos. Lamento ser rudimentar, mas se as memórias digestivas não forem as mais recomendáveis, bem que podem acenar-nos com vistas esplendorosas e decorações de estampa que iremos sempre lamentar aquela refeição em que devíamos ter jejuado.

Naturalmente que o preço influencia, e muito, a reputação de um restaurante e os estereótipos que se constroem em torno dessa lógica do inalcançável. Há restaurantes caros onde nos cobram e alimentam de forma majestosa. Nada contra eles, paga quem quer e quem pode. Mas conseguir encontrar esse equilíbrio fino entre qualidade, preço e satisfação é, todavia, o que define uma casa memorável. Por isso é que este conceito estafado é tão permeável.

Comer num restaurante caro não significa comer bem, como não significa que, ao pagarmos pouco por um almoço ou um jantar, nos podem impingir tudo sem tempero e gosto, aos tropeções. Por isso, da próxima vez que vos perguntarem “Pagaste muito naquele restaurante?”, respondam apenas isto: “Comi tão bem que nem me lembro da conta”. É lirismo de entrada e ingenuidade para a sobremesa, mas se é para ser verdadeiro que seja assim.




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