Crónica de Paula Ferreira: Sai galinha do campo ao vapor para a Fly

(Fotografia: Pixabay)
Na senda de querer diferenciar a oferta e torná-la mais exclusiva e original, há locais que cometem erros que seriam anedóticos se não mexerem com o respeito pelo próximo.

Começo com uma declaração de interesses. Adoro animais, fazem parte da minha vida desde que me conheço. Não consigo, contudo, deixar de ficar perturbada quando num restaurante deparo com um pet menu com propostas de ovo escalfado com azeite, por uns módicos 4 euros, a lombinhos de vitela, pela quantia não tão módica de 38 euros. Pelo meio encontramos galinha do campo ao vapor, borrego estufado com ervilhas biológicas, vazia de vitela grelhada, filete de robalo e algas, peru cozido. Ementas orientadas pelos melhores princípios da cozinha saudável, não vão os nossos melhores amigos correr o risco da obesidade e é sempre preciso controlar o colesterol.

Restaurantes ditos de luxo, percebe-se, necessitam de acrescentar itens diferenciadores na oferta apresentada aos clientes. Sem ultrapassar os limites da decência. Vi, noutras paragens, restaurantes oferecer menus para os animais de companhia, quando a legislação permite a entrada de seres de quatro patas em espaços de restauração: uma tacinha com a sua comida predileta por um valor entre os três e os quatro euros, ainda sim discutível.

Ora apresentar lombinhos de vitela ou robalo com algas parece-me um insulto, num país onde a maioria dos cidadãos vive com o salário mínimo e todos os meses enfrenta sérias dificuldades para alimentar a família, constituída por crianças com necessidades bem mais fundamentais do que as dos nossos estimados animais. Felizmente, quem se debate todos os dias com a necessidade de levar comida à mesa, pagar as contas da luz e da água e ainda conseguir que sobre alguma coisa para um imprevisto, não terá conhecimento sequer destas extravagâncias. Na minha ingenuidade, julgava-as exclusivas de excêntricos como Karl Lagerfeld e da sua gata Choupette. Ainda bem, porque imagino ira legítima dos que têm fome sabendo que a um cão é servido vitela e ervilhas biológicas.

Tive conhecimento destes luxos de estimação num restaurante, pelo menos, ao mesmo tempo que pelas televisões chegavam imagens da guerra na Europa. Bárbara. Colunas de mães em fuga com filhos nos braços e outros que ficam nas cidades sitiadas a dizer, em lágrimas, nada ter já para comer. Mundo estranho este em que realidades tão díspares coexistem sem sobressaltos. Estanho mundo, o nosso, em que se humanizam os animais e se bestializa a pessoa humana.




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