Crónica de Paula Ferreira: no mundo dos tachos e panelas

(Fotografia: Pexels/DR)
Em vez de cozinheiros, chefs. Mas mulheres há poucas, pelo menos a ascender ao estrelato, num universo de aparente glamour, muito para além da comida e seus sabores.

A cozinha ainda é um mundo de mulheres? A resposta é um sim e um não, sem ser um nim. É o mundo das mulheres, das que saem do trabalho, vão à pressa ao supermercado para fazer um jantar a tempo das crianças irem para a cama sem ficar a dever nada ao sono, preparar o almoço que irá nas lancheiras do dia seguinte, e ainda pensar em como variar o lanche que levarão para a escola. Aí, sem dúvida, elas dominam. Passou a ser território dos homens quando começamos a falar de chefs em vez de cozinheiros. As declarações do chef do Escama, em Cascais, que agitaram o mundo do glamour culinário, revelam apenas a realidade da alta cozinha portuguesa.

E ainda ninguém tinha percebido que esse é um mundo em que mulher não entra, ou se entra, fá-lo com grande dificuldade. “Não sou apologista de mulheres a trabalhar na restauração”, disse, sem hesitações, Pedro Silva Carvalho, o homem do restaurante Escama. Não é ele apologista, e não será a maioria dos que contratam para os restaurantes, uma vez que a palavra chef, praticamente, pronuncia-se apenas no masculino.

Carvalho disse o que pensava, e todos veem, e nem um dia demoraria a ser afastado do projeto. Como sócio, foi afastado: “Se fosse um empregado qualquer, era despedido”, sublinhou o outro proprietário. Declaração, todavia, não motivara qualquer tipo de repulsa, apesar de tudo o que ela encerra.

Livrem-se de manifestar opiniões. Dão direito a despedimento, não seguramente por justa causa, pois ainda vivemos num estado de direito, onde a liberdade de expressão continua a ser um dos pilares da democracia. Resta saber se há mais mulheres a trabalhar na cozinha do Escama, depois deste sururu e do afastamento do polémico chef, “para não prejudicar a imagem” da casa.

O Escama é o espelho do mundo da restauração, onde se acha aceitável pagar 200 euros por um menu de degustação, sem bebidas incluídas. Entre reduções e emulsões, vendem-se experiências e pratos bonitos para clientes endinheirados publicarem nas redes sociais.

Não se trata exatamente de culinária, mas da reinvenção de uma arte de homens e de mulheres. Vai-se a um restaurante como se vai ao Louvre, ou ir férias para Cancun, ou passar o ano a Nova Iorque. Carimbos de que muita gente não prescinde na biografia. Alguma vez essa gente terá provado um verdadeiro arroz de feijão com carapaus?




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