Crónica de Paula Ferreira: encontrar a Grécia no Sul de Itália

Puglia. (Fotografia de Gianni Crestani/Pixabay)
Entre pinturas bizantinas, olivais e abadias medievais espalhadas pelo tacão da bota, a língua mantém viva o que resta da presença grega.

À entrada da catedral, um grupo de crianças dá as boas-vindas aos visitantes, sob o olhar de adultos mais ou menos embevecidos. De repente, e sem prestar grande atenção ao que dizem, penso estarmos perante um ensaio de uma qualquer cerimónia local. Depressa se desfaz o equívoco. No interior do templo, outros meninos e meninas, divididos em grupos, junto aos altares, narram em discurso vivaz a vida dos santos a turistas devotos.

Aproximo-me do altar de Santa Ágata, curiosa: que me dirão estas crianças sobre uma história de barbárie. A imagem da santa havia-me tocado num outro templo, em Galatina. A violência expressa na pintura quase me desviava a atenção da beleza dos frescos que tornam a igreja de Santa Catarina de Alexandria precioso tesouro. Três meninas, com não mais de oito anos, relatam-me a tragédia da bela Ágata: no século III da nossa era, por amor a Cristo, recusara entregar-se ao governador, diz a lenda, e por isso lhe cortaram os seios, com tenazes em brasa. Gallipoli, terra de pescadores e de piratas, será sempre o local onde ouvi, pela voz de meninas vestidas de branco, uma história cruel, contada pela candura dos inocentes.

E esta viagem a Itália ficará também como o momento em que descobri outro país sem o visitar. Na autoestrada a chegar a Brindsi, placas gigantes avisam-nos da chegada à Grécia. Premonitório para o que se havia de seguir. As placas apenas informam o viajante para ligação marítima com o país vizinho. De Brindsi, como de Bari, partem ferries para o arquipélago helénico e para a Croácia.

A Grécia, no entanto, está presente neste território do sul de Itália. Em cada igreja, por mais modesta, as pinturas bizantinas cobrem as paredes de cor e de história. Não é apenas nas pedras que a memória grega permanece viva. Os italianos da Puglia não descuram a herança histórica. Na medieval e belíssima abadia de Santa Maria de Cerrate, perdida nos olivais entre o mar Jónico e o Adriático, dou conta de que ainda hoje os habitantes da Puglia usam uma língua antiga, o Grico, originário do grego antigo. “O meu avô ainda a fala”, explica a guia para sustentar que ali – entre as paredes da abadia, preservada graças ao fundo ambiental italiano -, era a Grécia, apesar das fronteiras e da história.

O mediterrâneo podia bem ser a célebre Manhã de Guiuseppe Ungaretti, dos versos que ouvi, ditos por um jovem estudante, no largo de Santa Maria de La Grotella. Mattina/ m’illumino/ d’immenso.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend