Crónica de Paula Ferreira: De regresso aos velhos caminhos

Ficar em casa é a palavra de ordem estes dias. (Fotografia: DR)
A vida suspensa outra vez. Voltar a recolher ao interior da casa e de nós próprios. O lado menos mau destes tempos de pandemia será obrigar-nos a reaprender a estar só.

Em pausa. Uma vez mais. Voltamos a ter a vida suspensa. Não consigo atirar pedras, faço mea culpa também. Estamos cansados e, porventura, após tantos meses, banalizamos o drama. Que nos chega, todos os dias, sem tréguas, porta dentro, trazido pelas notícias. Quem pensou que, afinal, conseguíamos viver assim, enganou-se. É preciso retomar o modo pausa. Suspender. Adiar tudo, de novo. Depois de se vislumbrar uma ténue luz, longe, mas ainda assim brilhante, é como se um grande bloco de pedra tivesse caído e obstruísse a saída. Empurrados para casa, confinados: essa palavra descoberta em 2020, que teima não largar a perna.

Ao contrário de tanta gente, não vejo o lado bom desta pandemia. Ver o lado bom de estar em casa (eu adoro estar em casa), ver o lado bom de trabalhar em casa, quando trabalhar é sinónimo de sair de casa. Obrigo-me, contudo, a descobrir o lado menos mau. Uma conquista vagarosa, feita dia a dia ao longo dos últimos meses. Voltar a estar só. É isso que a pandemia nos exige, impõe a solidão. Penaliza a sociabilidade. Faço-lhe a vontade.

É como um regresso à adolescência, quando já tinha consciência desse estado de solidão provocado pela condição de filha única. Não havia escolha. E eu vivi bem esses tempos. Talvez por isso, nunca tive qualquer desconforto em fazer as coisas, que a maioria faria em grupo, sem companhia. Pelo contrário. Uma ida ao cinema ou um dia passado na praia, sozinha, tornaram-se momentos quase perfeitos. E durante muito tempo, senti falta desse pequeno prazer.

Como que imposto foi, também, o regresso às longas caminhadas. Por caminhos onde há muito não anda gente a pé, resistem à invasão das silvas porque máquinas agrícolas aí passam para manter os campos como sustento do gado. Deixei para melhores dias os passadiços rente ao mar, sempre a fazerem-me lembrar quão extenso era o areal da minha infância quando vejo, agora, as ondas tão perto. E voltei a calcorrear, entre o arvoredo, os trilhos da Reserva Ornitológica. Para aí íamos outrora, quando a praia nos entediava em demasia. Nesse tempo, a Reserva era apenas um lugar que as nossas mães pediam para evitarmos, onde os passarinheiros armavam armadilhas, de vime, para apanhar umas belas aves de asa amarela e penugem vermelha na cabeça.




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