Crónica de Nuno Cardoso: A magia do shaker

Red Frog. (Filipe Amorim/GI)
Longe dos tempos do monopólio dos gins tónicos da vida, a mixologia nacional está viva e recomenda-se. Este mês trouxe mais uma conquista para brindar.

As cortinas aveludadas em vermelho, a cortar a ligação com o mundo exterior, e a intencional e intimista meia-luz fizeram-me logo pensar na Red Room de “Twin Peaks”, ou não fosse eu confesso fã do mundo de Laura Palmer e Dale Cooper. Ao balcão do Sam’s Corner, um bar que visitei numa recente viagem a Dublin para participar numa degustação de uísques e num workshop de cocktails, já estavam todos os ingredientes necessários para criar um clássico (um Expresso Martini, base de vodca, licor de café, shot do mesmo e xarope de açúcar) e um de assinatura (Mango’s Foam, com prosecco, xarope de açúcar, puré e espuma de manga e clara de ovo).

Depois de uma valente e quase coreográfica força de braços a tentar dominar o shaker – ou terá sido o inverso? – provei os resultados. “Isto está fantástico. Dos melhores cocktails que bebi este ano”, pensei, de imediato. Mistura de sabores perfeita, temperatura certa no copo. “Assim é fácil, já estava tudo preparado. Só seguimos instruções, misturamos no shaker e agitámos”, ri-me para o especialista.

A mixologia é um mundo fascinante, quase como um laboratório, em especial a de autor. Sempre olhei para ela associada às noções de esforço, criatividade e minúcia, sentimento ampliado com os trabalhos que vou fazendo neste campo, na “Evasões”. Talvez seja o preço que os impede de chegar a um mercado massificado, mas esse valor justifica-se – e bem – pelo tempo e investimento, do uso dos destilados premium aos xaropes e polpas feitas de raiz, fermentações e outros processos que demoram horas prévias a fio.

Felizmente, e mesmo num país de forte legado vínico e hábitos cervejeiros enraizados, o comboio dos cocktails já anda a boa velocidade. Começámos tímidos, a reboque dos gins tónicos da vida, viajando naqueles regionais que param em todas as estações e apeadeiros, mas o panorama nacional evoluiu a olhos vistos na última década e hoje está vivo e recomenda-se. Moradas exímias e seguras para os provar não faltam pelo país, às quais se juntam outras recentes, que entram no mercado com o pé direito.

Na semana passada, a estreia de um bar português na prestigiada lista anual The 50 World’s Best Bars – que já tinha conquistado o feito em duas edições anteriores, ainda que nos 100 melhores – é mais um passo firme na caminhada da nossa mixologia aquém e além-fronteiras, que se vai fazendo ouvir em voz cada vez mais alta. Parabéns ao lisboeta Red Frog pela conquista da 40.ª posição. Isto merece um brinde. Com cocktail, claro.




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