Crónica de Luísa Marinho: Devagar sobre duas rodas

A sufragista Florence Norman em 1916 na sua Autoped, que terá sido a primeira a circular em Londres.
Já há mais de 100 anos que existem trotinetes. Chegaram mesmo a ser moda e as mulheres eram as suas maiores apreciadoras.

Na capa da edição da “Ilustração Portugueza” publicada a 12 de agosto de 1918, uma fotografia apresenta uma das modas da época. Uma senhora da alta sociedade passeia nos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto – época em que havia mesmo um palácio, inspirado no Crystal Palace de Londres -, em cima de uma trotinete. Na legenda, lê-se: “a Sra. D. Ru Soares, distinta sportswoman, passeando no seu autoped”. De vestido claro e largo, chapéu e saltos altos, a senhora Ru olha diretamente para a câmara. A alguns metros atrás, um senhor de bigode, de fato e chapéu domingueiro, também se equilibra numa Autoped.

Inventada por Arthur Hugo Cecil Gibson em 1916, este transporte produzido em Nova Iorque pela Autoped Company foi a marca que mais sucesso fez em Portugal. Sucesso, entenda-se, moderado, pois este transporte a motor (movido a gasolina, embora também houvesse scooters eléctricas) era visto mais como curiosidade do que meio de deslocação prático, pelo menos em Portugal, onde se podiam alugar no Palácio para uns passeios no jardim. Mas não seria assim em todo o lado. Imagens de outros países mostram polícias de trânsito e carteiros a deslocar-se sobre duas rodas, cumprindo o seu trabalho.

Foi apenas quando recentemente aderi a este meio de transporte que me apercebi da sua longa história. E nas pesquisas que fiz, percebi também que as mulheres dominavam as imagens, fosse no tal passeio descontraído no Palácio de Cristal, fosse numa rua de Londres, onde a sufragista Florence Priscilla McLaren, ou Lady Norman, se fez fotografar numa Autoped a caminho do escritório. Num artigo de um jornal da época lê-se que “Londres nunca tinha visto nada assim” e que o veículo lhe foi oferecido pelo seu marido Sir Henry Norman, jornalista e político. No final, Lady Norman afirma, desassombrada: “Qualquer pessoa que saiba andar de bicicleta consegue conduzir uma scooter a motor”.

Noutro jornal, outra mulher famosa, a aviadora Amelia Earhart também aparece em cima de uma trotinete, tanto sozinha como com a sua amiga e aluna, a atriz June Travis. No artigo escreve-se que num futuro próximo “ninguém andará a pé”. É certo que a popularização dos automóveis e de motociclos mais robustos tiraram o lugar à trotinete. Opção que tornou as cidades reféns das quatro rodas. Agora, vendo a cidade do cima de duas rodas, só sonho com estradas com velocidades máxima de 25 km/h, sem trânsito, sem automóveis em segunda fila nem a ocupar o passeio, sem cheiro a tubos de escape nem barulho de motores. Só espero que não seja preciso esperar mais 100 anos.




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