Crónica de Luísa Marinho: coisas boas da vida

Nordeste no Parque Natural do Douro Internacional. (Fotografia: Artur Machado/Global Imagens)
Escrevo sobre as coisas boas da vida. Mas essas não são andar a provar vinhos ou jantar em bons restaurantes. O que importa são as pessoas que se conhecem pelo caminho.

Quando me perguntam o que eu faço (profissionalmente) e respondo que sou jornalista numa revista de lazer e viagens, é quase certo haver uma reação entusiástica. Normalmente, é um “ah, deves conhecer sítios espetaculares”, ou “fartas-te de viajar”, “então sabes onde é que se come bem”. Não consigo negar nenhuma dessas considerações. É verdade que o meu trabalho me permite viajar, jantar em restaurantes muito acima da média e ficar em hotéis que nunca poderia conhecer se não fosse em trabalho. Mas também é verdade que a minha profissão não é andar sempre de copo na mão ou frequentar spas semana sim, semana não. Isso, na verdade, nunca acontece. Porque o que interessa não é apenas se a comida estava bem confecionada e se o vinho era o mais indicado para o prato. Não é assim tão importante se a chave magnética do hotel não funciona ou se o wi-fi não chega até à cama.

O que importa é ter histórias para contar. E essas são contadas pelas pessoas com quem me vou cruzando sempre que tenho de ir conhecer um restaurante novo, um bar ou uma loja. E é nos trabalhos maiores, como os roteiros que podem durar dois ou três dias, que essas histórias ganham outra dimensão. E não são aquelas histórias que se contam nos folhetos turísticos ou que os guias nos contam – com toda a legitimidade – sobre o que estamos a visitar. O que muitas vezes interessa é a história desse guia ou da senhora que faz o pão que se come em tal restaurante, do casal emigrado que voltou para a terra para fazer vinho ou abrir um alojamento ou da pastora que há 50 anos acompanha o gado pela serra e que a conhece como ninguém.

Depois dos confinamentos da pandemia, começou a ouvir-se dizer que as pessoas das cidades procuram cada vez mais o turismo da natureza, da ruralidade. E os lugares mais ou menos fora dos circuitos turísticos começaram a tentar mostrar os seus territórios, costumes e história. Mas que natureza, que mundo rural é esse que o citadino vai à procura? Que quadros idealizados quer ver? De como era tudo tão simples e bonito – as ceifeiras no campo, o moer do trigo nos moinhos ou o vinho do lavrador em cima da mesa que acompanha o pão acabado de sair de um forno a lenha. Sabemos que a vida rural, este “antigamente” tantas vezes romantizado, não era assim tão simples nem tão bonita. Apesar de, claro, saber bem comer um pão ainda quente feito por quem sabe ou beber aquele vinho acabado de sair da pipa.

Quando me perguntam sobre o que escrevo, não deixo de dizer que escrevo sobre as coisas boas da vida. Porque ouvir a história de alguém, entender que as suas ambições, desejos e medos não estão assim tão alheados dos meus é perceber que são mais as coisas que nos unem do que as que nos separam. E isso é uma das melhores coisas da vida.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend