Crónica de Luísa Marinho: As orcas, a música e o azul de Sines

Sines (Fotografia de Reinaldo Rodrigues/GI))
A Sines, cidade marítima, ventosa, poética e multicultural, regresso todos os anos para o Festival de Músicas do Mundo.

Pouco passava da meia-noite quando um veleiro a seis milhas da costa de Sines deu sinal de alerta. Estava a afundar-se rapidamente depois da colisão de um grupo de orcas. O pânico estava instalado. “Mayday, mayday”, repetia incessantemente o comandante da embarcação de recreio. Em pouco mais de 10 minutos, o barco afundou. Os cinco tripulantes – uma família – foram resgatados da balsa salva-vidas para onde saltaram no meio do pânico. A embarcação mais próxima – a traineira Festas André – resgatou-os e transportou-os a salvo para o Porto de Sines.

Tudo isto li nas notícias da manhã seguinte, de 31 de julho, já a caminho do Porto, depois de ter passado quase duas semanas naquela cidade da costa alentejana. Na noite do desastre, eu e milhares de pessoas concentravam-se dentro do Castelo de Sines para assistir aos concertos do último dia do Festival de Músicas do Mundo.

Uma noite emocionante, principalmente quando a cantora cubana Omara Portuondo, com os seus respeitáveis 91 anos, entrou em palco ajudada pelos seus músicos. E que concerto deu ela, sentada numa cadeira de verga, de sorriso nos lábios, agradecendo timidamente os muitos aplausos. Um concerto em que se ouviram clássicos como “Dos Gardenias”, “Besame Mucho” ou “Quizás, Quizás, Quizás”. Nessa noite, já tinha passado pelo palco a brava artista brasileira Ava Rocha; e depois de Portuondo, ouviu-se o folk arménio de fusão de Ladaniva. Pouco passava da meia-noite quando, como é costume no concerto de encerramento no Castelo, se soltou fogo-de-artifício em estrondo de tapar os ouvidos. Alguns minutos depois, já só o afrobeat frenético e dançável de Seun Kuti & Egypt 80 se fazia ouvir.

Quando abri a notícia sobre o naufrágio, passou-me pela cabeça se não teria sido o barulho dos foguetes a provocar o comportamento agressivo das orcas. Depois, pensei que não percebo nada de orcas e que seis milhas náuticas (11 quilómetros) serão distância suficiente para o som se “dissolver”. Quando os náufragos chegaram ao Porto de Sines, já passava das 2h da manhã, terão ainda ouvido a música que entoava do palco da praia. Não sei se conseguiram dormir.

De regresso ao norte, pensei nos outros cetáceos que andam pela costa de Sines, por esta altura. Golfinhos que se passeiam perto da praia, que desaparem nos dias de maior barulho e movimento do festival e regressam no final. Este ano, não tive tempo para esperar por eles. Mas no próximo julho regressarei a Sines, como todos os anos, para o festival. E quero ficar mais tempo. Para observar cetáceos, comer cachupa e ler muitas vezes os poemas do Al Berto espalhados pelas ruas. Tudo num silêncio sempre ventoso, em cenário azul e branco.




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