Crónica de José Miguel Gaspar: #olargomaisbonitodoPorto

Porto (Foto: André Rolo/Global Imagens)
Já morei em nove casas diferentes desde que vim de Braga para o Porto em 1988, ia fazer 19 anos. Comecei quase de fora e passei por três casas na Circunvalação.

A primeira era muito estreita, parecia de bolor, ficava junto aos rails, mesmo em cima da fronteira, a sala era em Rio Tinto, mas no quarto já era Porto. Depois fui para uma casa de família, grande e fantasmal, tinha um WC que me gelava quando entrava de noite e me aparecia um manequim de peruca a olhar para mim de pé. A terceira era hitchcockiana e alta e aí dormi mal 99 noites (pressentia o ser maligno do “Paranormal activity”, um filme apavorante que iria ver 17 anos depois e que desde então nunca mais me deixou dormir só com uma perna de fora do edredão).

Nos anos 1990, fui para Serralves, vivi com uma velhinha e às terças às 8 víamos juntos o “Modelo e detetive” no quatro dela. Mas tivemos que nos separar e subi para o Heroísmo, águas-furtadas alugadas, de manhã via de cima o Abrunhosa sem óculos a passear o cão e à noite via-o no Meia Cave – uma noite o Nick Cave invadiu o bar, era tudo dele, distribuiu bebidas como estalos, foi o Texas, andou para levar na cara do dono, era o Ni – , aí a Ribeira ainda era nossa, não era ainda dos camones, nem dos preços dos camones. Mas a casa era hipotecada e um dia saí de supetão, tinha à porta um mafioso com dois guardas de papel na mão. E uma noite cheguei ao Largo do Ouro, soçobrei na luz amarela, apaixonei-me, o largo é como diz o Hélder do Antigo Carteiro no Instagram, #olargomaisbonitodoporto, é um exagero de verdade.

Ali já corri três casas e nunca mais vou querer sair. Primeiro fiquei numa colada ao Carteiro, e essa é a casa dos sonhos perpetuados, os meus e os dos meus amigos que lá estavam mesmo que eu não estivesse lá. Depois comprei casa no condomínio acima do atelier do Siza e do Souto, eles andam sempre ali, a esquissar, era linda mas vendia-a, e mudei-me, é pertinho, para a casa azul onde estou. Agora tenho uma varanda de metal virada para a ponte branca, a ponte está sempre a murmurar, e vejo o rio, a igreja e a Afurada, derrete tudo na água a verdejar; em frente à minha casa fica uma casa cor-de-rosa, e essa casa é incomum, é de uma menina que pendura por fora o coração. Fiz contas, solenizei: já moro há mais anos no Porto do que morei em qualquer outro lugar, já sou daqui, já não me desentranho, tenho Porto até nas veias, é a melhor cidade do Mundo para viver, é aqui que vou querer morrer.




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