Crónica de Jorge Manuel Lopes: na Costa da Morte, com vento e nevoeiro

Fisterra. (Fotografia de Rui Manuel Fonseca/GI)
Magníficos dias atlânticos, entre uma Corunha sempre monumental e uma Fisterra à procura de rumo, entre peregrinos e turistas.

Em 1992, os irlandeses The Fatima Mansions lançaram “North Atlantic wind”. Levada pelo intérprete e compositor Cathal Coughlan, é uma canção à vez áspera e terna, com intervalos harmoniosos entre vagas de uma fúria granítica, sob um céu cor de chumbo.

Não consta que Coughlan, falecido em maio último aos 61 anos, tenha necessitado de viajar até à Costa da Morte galega em busca de inspiração marítima: à beira do vento que soprará no pedaço de Atlântico Norte em que ele vivia a, vá lá, brisa que corria no início de agosto na Corunha só terá deixado marca em gente facilmente impressionável.

Foi então “North Atlantic wind” que se hospedou na cabeça deste turista enquanto batalhava os elementos ao longo da Rúa Matadero, numa tentativa falhada de alcançar a Torre de Hércules, ex-líbris de uma cidade que impressiona pela escala, do novelo industrial e viário que se atravessa para lá chegar às fachadas envidraçadas dos edifícios na Avenida Marina. Derrotado pelo vento, regressou-se à imperturbável Praza de María Pita e às vias estreitas da Cidade Velha, onde se comeram sardinhas bebé, fritas até às últimas consequências (elogio), e se descobriu um vinho local memorável: Ladairo Colección de Familia, branco, 2021.

Já em Fisterra, depois do vento, o nevoeiro. Nenhuma canção substitui a de The Fatima Mansions na jukebox que toca na cabeça. No centro da localidade, a já pouca distância da escalada até ao cabo e farol homónimos (de cortar a respiração, sempre) onde termina um dos caminhos de Santiago, vive-se numa certa anarquia urbanística sem solução aparente. No rendilhado de ruas ancestrais os moradores e o pequeno e variado comércio parecem dar-se bem. No Paseo Ribeiro que acompanha o Porto de Fisterra, numa configuração já deste século, os visitantes são muitos mas insuficientes para dar quórum à sucessão de restaurantes com amplas esplanadas.

Aqui, ali, acolá e mais além, fantasmas de edifícios há muito inacabados. Desiste-se de procurar vinho a copo decente e a preços praticáveis e opta-se pelo Sardino, ótimo vermute galego (“marinheiro” e “artesanal”, diz a publicidade). Melhor ainda: na apertada Rúa Real, a “bibliotaberna” A Galería, pejada de memorabilia e caminhantes e respetivos idiomas, serve-se queimada galega às sextas e sábados. A confeção exige ritual, iniciado às 10 da noite pelo proprietário, Roberto Traba Velay, vestes brancas de druida e esconjuras na ponta da língua. Limpa a cabeça e o ar de outros ventos e nevoeiros mais suspeitos.




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