Crónica de Jorge Manuel Lopes: Demasiada incerteza pode ser o nosso fim

A instabilidade nunca vai a banhos, essa é que é essa. E Paris, meu deus, como vai ser Paris este verão, com manifs e greves e sabe-se lá que mais?

O calendário diz que se está mais ou menos no limite para agendar voos e estadia se a ideia é passar férias de verão algures no mundo a preços respiráveis. Ainda há, certamente, quem esteja a lidar com o rescaldo da hecatombe viajante de 2020 e 2021 – por exemplo, aquela deslocação em família a Amesterdão há três anos, paga, e que não aconteceu, mais o subsequente lastro de dúvidas: o dinheiro que demorou mas que lá foi devolvido; a desconfiança de voltar a montar programas detalhados de fuga e descoberta para longe com muita antecedência; o espetro de nos vermos de novo fechados num avião, agora se calhar mascarados.

Há a desconfiança, mas depois também há o medo. Que se instala em câmara lenta. Contrariando a razão e o senso. Contrariando-nos. Uma pessoa dá por si pesando demasiados fatores (ou pesando os fatores certos mas em demasia, sabe-se lá). Se estivermos na situação privilegiada de poder gastar tempo a pensar nisso, é a geopolítica que se arrisca a lixar-nos as férias em 2023. Voar pela Europa em lazer com um genocídio em curso aqui, na Ucrânia, mói. Só de imaginar a renovada burocracia de regressar ao Reino Unido após a imperial estupidez do Brexit, uma pessoa cansa-se. Só de imaginar malucos aos tiros nuns Estados Unidos por destrumpar, uma pessoa cansa-se. E assim nos deixamos tomar pela incerteza e, pois então, pelo medo.

Todos teremos um momento em que na cabeça se acende esta luz de emergência. Pode ter a ver com a idade, com os filhos, com o massacre mediático (não confundir com jornalismo nem com literacia mediática), com um ror de fatores. No que ao autor destas linhas diz respeito, viajar em longo curso depois do 11 de Setembro de 2001 começou a não ser bem a mesma coisa. O que não faz grande sentido. Uns bons anos antes, em Londres, explicaram-me que a quase inexistência de caixotes do lixo nas ruas era uma forma de prevenção de ataques à bomba pelos terroristas do IRA, o que apenas trouxe um suplemento de frisson à visita. E no sul de Espanha, em meados dos anos 1990, a manhã do dia de regresso foi abalada pela notícia de um assassinato da ETA a distância insuficiente.

A instabilidade nunca vai a banhos, essa é que é essa. E Paris, meu deus, como vai ser Paris este verão, com as manifs contra o aumento da idade da reforma e contra o resto, as greves nos aviões e sabe-se-lá em que mais, as alterações climáticas, o preço das baguetes? A bem da sanidade, “je m’en fous”.




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