Crónica de Jorge Manuel Lopes: a Europa nos carris

(Fotografia: Pexels/DR)
A ideia de um retorno a um tempo em que as-coisas-eram-melhores é uma proposição muito discutível, mas, se quisermos salvar a pele, algumas coisas terão mesmo de melhorar.

Durante uns 30 anos, construiu-se União Europeia também com caminho-de-ferro. As coincidências não existem: a 2 de junho de 1957, menos de três meses após a assinatura do Tratado de Roma que deu origem à Comunidade Económica Europeia, arrancou o Trans-Europe Express (TEE), uma rede internacional de comboios expresso operada em conjunto pelos Países Baixos, Alemanha Ocidental, França, Suíça e Itália, a que depois se juntariam a Bélgica, Luxemburgo, Espanha, Dinamarca, Áustria, Suécia.

Máquinas vermelhas e brancas de design futurista ligavam muitas das principais cidades na face oeste de um continente dividido pela Guerra Fria. O TEE foi imaginado para gente de negócios e outros viajantes frequentes e afluentes, apenas com primeira classe, e até meados da década de 80 (o serviço extinguir-se-ia de vez em 95) teceu com metal uma espécie de Europa mais do que utópica, de comunicação rápida, desenvolvimento harmónico. No seu auge, em 1977, ficou impresso na cultura popular com “Trans-Europe Express”, o álbum e canção dos Kraftwerk.

O TEE sucumbiu perante a multiplicação de alternativas – pelo ar, com a expansão das viagens de avião de curto e médio curso, a preços mais acessíveis; pelo solo, graças ao aumento e melhoria das redes viárias e à ascensão do automóvel como meio de deslocação preferencial; e sobre carris, com o aparecimento de serviços concorrentes um pouco por toda a Europa, mais modernos e menos centralizados, um processo que adquiriu uma dinâmica decisiva com a chegada do TGV e das linhas de alta velocidade.

Dito isto, o momento é o certo para o retorno da ideia e forma do TEE. O romantismo das viagens de comboio e a película de nostalgia anexa são argumentos poderosos e com o seu encanto, mas um projeto destes só tem possibilidades de sucesso e longevidade se concretizável em larga escala, desta vez numa Europa livre de ditaduras comunistas, mas com várias outras ameaças tribais e autoritárias.

A ideia de um retorno a um tempo em que as-coisas-eram-melhores é uma proposição profundamente discutível mas, se quisermos salvar a pele, algumas coisas terão mesmo de ser melhores: do plano da União Europeia para alcançar a neutralidade carbónica em 2050 consta uma carta de intenções, assinada há dois anos pelos ministros dos Transportes, para a criação de um novo TEE. Desta vez com Portugal no mapa, mas também com a República Checa, Polónia, Lituânia. A margem para descarrilamentos, desta vez, é bem mais apertada.




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