Crónica de Inês Cardoso: Se te perderes, volta ao cruzamento

Há sempre um ponto certo para mudar de direção. Se nos lembrarmos disso, nunca nos sentiremos perdidos.

Já fiz longas viagens de mapa na mão pela Europa, mas desde que inventaram o GPS consigo perder-me num trajeto de meia dúzia de quilómetros. Ou porque me engano nas coordenadas, ou porque nomes idênticos na mesma área me levam a selecionar o destino errado, ou simplesmente porque todas as tecnologias têm caprichos e por vezes não há justificação razoável para os caminhos através dos quais os aparelhos nos levam.

Como seres apressados que somos, é provável que muitos destes descaminhos irritem e nos pareçam, à primeira vista, um problema acima da sua real dimensão. Mas continuo a achar que é bom termos oportunidade de nos perdermos. De ver o que não tínhamos imaginado. E quem sabe até de repensar o caminho, alterando a rota ou recuando sempre que necessário.

Habituamo-nos a traçar metas, objetivos para o dia, listas de tarefas. E às vezes até em passeio temos os mesmos vícios. Locais a visitar, escolhas feitas previamente, rota bem definida. Andar à deriva pode parecer assustador, mas o efeito surpresa está sempre garantido. Acabamos a descobrir pormenores e recantos que não entravam nos planos iniciais.

Mesmo numa cidade que conhecemos bem, há sempre motivos para nos surpreendermos, se deixarmos que os passos sigam como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Encontramos uma fachada em que nunca tínhamos reparado. Um jardim com novas linhas coloridas. O beco ao lado do qual já tínhamos estado em muitas ocasiões, mas no qual nunca tínhamos reparado. A luz própria de cada dia a pintar as ruas. Uma cidade é viva, em permanente mudança. Basta desacelerarmos para a vermos tal e qual como é: diferente a cada dia que passa.

Nem sempre andar à deriva traz bons resultados, é certo. Viajantes previdentes e organizados dirão que nunca teriam cumprido objetivos se não preparassem cuidadosamente cada ida para o terreno. A vida, ainda assim, tem latitude para tudo – e às vezes para uma coisa e o seu contrário. Muitas viagens seriam impossíveis sem planeamento. Outras seriam entediantes sem momentos fora do mapa e da escala.

Qualquer rota admite uma correção, se nos enganarmos. Não há problema nenhum em recuarmos, se não estivermos a gostar do caminho. Há muitos anos ouvi um conselho elementar que já me ajudou em muitos dilemas na vida. Se te perderes, volta ao cruzamento. Há sempre um ponto certo para mudar de direção. Se nos lembrarmos disso, nunca nos sentiremos perdidos. l




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