Crónica de Inês Cardoso: Do Portugal profundo

Aldeia de Paredes, em Montalegre. (Fotografia de Rui Manuel Ferreira/GI)
Há locais discretos, em que não é fácil encontrar slogans ou imagens icónicas, mas valem por um conjunto de pequenas coisas cuja soma resulta extraordinária.

Tornou-se moda dizer que Portugal, retângulo à beira-mar plantado em que nunca distamos mais de escassos 200 quilómetros da costa, na verdade não tem interior. O interior estará algures em Madrid, para não ir mais longe e escolher outros pontos longínquos no miolo do continente. A lógica parece irrefutável face à nossa geografia, mas não ilude o facto de termos profundas assimetrias. Todos sabemos de cor que há um país a duas velocidades e percorrê-lo sem pressas, seja através do Douro rumo à nascente, seja cruzando a vastidão do Alentejo, mostra-nos um país esvaziado, que resiste e luta mas se sente, afinal, tantas vezes sozinho.

A demografia não engana e vamos ser cada vez menos e mais envelhecidos, pelo menos durante a próxima década e meia. Reconhecer e olhar de frente essa evidência, procurando reorientar políticas e trabalhar com realismo o que nos espera, talvez seja mais útil do que alimentar quimeras de inversão da tendência de despovoamento a que assistimos. Não quer dizer que baixemos os braços e desistamos de políticas que olhem de forma assertiva para os problemas do território e de uma parte da nossa população. Apenas que talvez a luta não seja por mais gente, mas antes por condições melhores para quem escolhe uma metade do país que tem pouco peso eleitoral e é por isso tão esquecida no momento de governos e parlamentos tomarem as suas grandes decisões.

Lembro-me de ter longas conversas com uma amiga sobre a expressão “Portugal profundo”. Ambas somos do interior e a ela causava-lhe aversão a ideia de distanciamento e até obscuridade tantas vezes associada à expressão. Pelo contrário, a mim encanta-me. O Portugal profundo é denso, intenso, complexo no melhor sentido do termo. Por oposição à superficialidade, é próprio do que é profundo conter e inspirar conhecimento, assombrar e, melhor ainda, entranhar-se em nós. Ser difícil de esquecer ou de apagar.

O Portugal profundo pede tempo para perceber as declinações da paisagem, as variações da arquitetura, a singularidade do que nos põem à mesa, o sotaque próprio, a tradição genuína. É tudo isso que distingue, cativa e convida a parar.

Há locais que chamam a si pela grandiosidade patrimonial, pelas praias apetecíveis ou por marcas históricas específicas que se impõem. E há locais discretos, em que não é fácil encontrar slogans ou imagens icónicas, mas valem por um conjunto de pequenas coisas cuja soma resulta extraordinária. Provavelmente nunca estarão destinados a grandes voos, mas serão inestimáveis para quem aprecia lugares cheios de alma. Se não a perderem, o futuro estará sempre assegurado.




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