Crónica de Dora Mota: tenho muita “life” e muito pouco “style”

(Fotografia: Unsplash/DR)
Devíamos refletir melhor na designação “jornalismo de lifestyle”, porque ela mete no mesmo saco publicações e linhas editoriais muito diferentes.

Tornou-se tanto comum quanto académico utilizar a designação “jornalismo de lifestyle” para nomear publicações como a Evasões. Não gosto dessa designação, porque mete no mesmo saco linhas editoriais diferentes, o que seria até um problema menor quando comparado com outro problema enorme: mete também nesse mesmo saco publicações que são jornalísticas e outras que não são. Também não gosto dessa designação porque – e podem dizer que sou antiquada -, para mim, jornalismo é jornalismo. O que há são abordagens da realidade, especialidades, nichos ou estratégias para nos dirigirmos a determinados interesses dos nossos públicos.

Por isso, nas ocasiões em que conversei com estudantes de jornalismo sobre este assunto, empenhei-me em desmontar essa expressão “jornalismo de lifestyle”. E em desafiá-los a pensar no que é jornalismo e como podemos fazer jornalismo na área do lazer. Como é que nesta especialidade jornalística podemos honrar o compromisso com a procura da verdade, seguir a disciplina da verificação dos factos, procurar fazer serviço público?

Fiquei surpreendida por encontrar estudantes de jornalismo que achavam que trabalhar numa revista como esta é experimentar restaurantes e dizer se gostamos ou não da comida – uma estudante disse até que nos imaginava como o crítico do filme “Ratatui”… Ou seja, nessa perspetiva, é preciso o jornalista ter muito lifestyle ele próprio antes de se iniciar nesta especialidade…

Por isso, quis começar com bom humor e referir que tenho muita life, mas muito pouco style. Aliás, na minha equipa só há pessoas que dificilmente seriam confundidas com o austero crítico do “Ratatui” (nem mesmo o nosso crítico Fernando Melo, com a sua proverbial e bem disposta mordacidade, se assemelha a essa figura). Parece-me que nenhum de nós poderia também ser confundido com algum influencer esforçando-se por dar nas vistas… nem somos mais aficionados de moda do que qualquer pessoa comum. Somos até, em geral, mais virados para o lado intelectual e literário da vida.

Porém, passamos muitas horas dos nossos dias a fazer contactos para confirmar factos. Às vezes, as rondas de contactos que fazemos não diferem muito, em método, da volta telefónica da secção Local para saber notícias da polícia e dos bombeiros. Seria bom começarmos a falar em “jornalismo de lazer” em vez de lifestyle. É mais justo e mais de acordo com a realidade.




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