Crónica de Carina Fonseca: o que diz um ramo de sempre-vivas

(Fotografia: Skylar Kang/Pexels)
Qual a ligação entre um molho de flores coloridas e uma visita a uma aldeia do interior associada, até hoje, a Saramago? Ambos convidam a ver e a escutar.

Sempre-vivas. As flores que venho namorando nas lojas de rua onde passo chamam-se assim, soube há pouco. Formam ramos coloridos que apetece passear, orgulhosamente, até à jarra onde hão de repousar, longo tempo, sem perder o encanto. O nome daquela planta em concreto é statice (Limonium sinuatum), mas não deixa de ser sempre-viva, e é essa a designação que escolho, nesta época de recolhimento em que ao frio se junta, mais uma vez, a incerteza.

É ponto assente, a incerteza. Sentimo-lo na pele, quando os planos se esvaem, alheios à nossa vontade – em qualquer altura, mas mais agora. Olho as sempre-vivas e penso: oxalá ficassem sempre vivos os maravilhamentos, as paixões, as pessoas queridas e os animais, numa festa sem fim. Sabendo dessa impossibilidade, e para combater a ânsia por dias melhores, folheei o livro “Quando tudo se desfaz”, da monja budista Pema Chödrön, e parei numa recomendação: “deixar espaço para não saber”.

Olhando para trás, percebo que, de facto, a ausência de expectativas resultou nos melhores encontros e vivências. E ocorre-me Cidadelhe. Da primeira vez que fui a essa aldeia do concelho de Pinhel, em trabalho, chovia, o tempo escasseava e, dias depois, estávamos confinados. Era a pandemia a bater-nos à porta, visita indesejada que ainda dorme no sofá lá de casa. Na altura, pouco conheci. Regressei em lazer, há uns meses, para resgatar o que nem sabia ter ficado em falta.

Cidadelhe – que José Saramago incluiu no livro “Viagem a Portugal” e descreveu como o “calcanhar do Mundo” – é rica em história e património. Guarda numa casa-forte um pálio de veludo carmesim, bordado a ouro, prata e seda, com mais de 300 anos. Mas o que trouxe daquela povoação do interior foram, essencialmente, boas memórias e reflexões. Tudo devido à iniciativa cultural Mapas Natureza, que abriu espaço para conversar com os residentes, beber da sua ginjinha e afagar os seus cães, dançar e ouvir relatos marcantes, deste e de outros tempos. Como era a vida sem eletricidade? Apanhar, na escola, por não conseguir pronunciar certa palavra? Como é, agora, ser a única criança da aldeia?

Daquela menina imaginativa, à data com 7 anos, retive uma frase: “Tudo fala; tudo à minha volta fala”. Surgiu num mini documentário do projeto Mapas Natureza, e bem fará que ecoe nas cabeças adultas. Claro que é preciso estar atento e saber interpretar. Um ramo de flores, por exemplo, pode querer dizer: há beleza, mesmo na escuridão.




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