Crónica de Carina Fonseca: o fabuloso destino de Amadeus

Maneki Neko, o gato da sorte japonês, símbolo de prosperidade e boa fortuna. (Fotografia: Miguel-Á.-Padriñán/Pexels)
As quase quatro horas de comboio entre o Porto e o Pocinho marcaram a sua estreia como gato viajante, confortável em qualquer meio de transporte, casa ou destino.

Diz-se que certas viagens mudam vidas. Isso é válido, pelo menos, para aquela que fiz, há uns anos, do Porto à região de Trás-os-Montes e Alto Douro, para festejar o aniversário de um amigo. Desde então, dou-lhe os parabéns com um agradecimento: se não fosse ele, não teria hoje como companheiro de aventuras um gato espantoso, chamado Amadeus. Se não fosse ele e se não fossem alguns desconhecidos de boa vontade, que ajudaram ao desfecho feliz.

Quando me sinto fraquejar perante alguma situação difícil ou inesperada, tento lembrar-me do que em tempos me disseram: “Primeiro vem o gesto de coragem, só depois a coragem”. Coragem é fazer o que, no nosso íntimo, sabemos estar certo, apesar do desconforto, do medo, das incertezas. Algo que se aplica a tudo, das grandes coisas às mais pequenas – que também podem ser enormes. Lançando pontes para os outros, e contando que nos deem a mão, fica bem mais fácil.

Estava calor naquele sábado. Chegámos e, mal estacionámos o carro, vimos um gato bebé à janela, dentro de uma oficina fechada. Nenhum sinal de presença humana ou de atividade recente, aparentemente nenhuma fresta por onde um animal pudesse entrar e sair (mais tarde, disseram-nos que entravam pelo telhado).

Outros convidados juntaram-se a nós, diante do vidro, a coçar a cabeça. O que fazer? Liguei para os bombeiros. Quem me atendeu disse que a oficina estava desativada, mas sabia quem eram os donos e ia tentar contactá-los. E a verdade é que, pouco depois, chegou alguém com a chave, para nos abrir a porta. Só voltou a fechá-la quando se resgatou o pequeno (não avistámos outras crias).

Mais tarde, percebemos que o gatinho era surdo – por isso não se queixou na viagem de volta ao Porto, que teve de ser feita de comboio desde o Pocinho, em Vila Nova de Foz Côa. Essas quase quatro horas em que viajou tranquilo, apesar de tudo ser novo para ele, foram a sua estreia como gato viajante, confortável em qualquer meio de transporte, casa ou destino.

Lembrei-me muito disto quando voltei a fazer aquele percurso de comboio, recentemente. Sobre os encantos dos felinos já muito se escreveu, sublinho só o maior contributo do Amadeus para os meus dias. É algo que Almada Negreiros definiu como “a coisa mais séria da vida”, e que até dá nome a uma estação da Linha do Douro: alegria. Chegar lá é fácil. Basta adotar um dos milhentos animais abandonados ou negligenciados que enchem os abrigos, país fora. Ou, simplesmente, não fechar os olhos àqueles que nos cruzam o caminho.




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