Crónica de Carina Fonseca: livros, ou as mãos no ombro silenciosas

(Fotografia: Pexels/DR)
A leitura permite bem mais do que absorver informações e estimular ideias: pode atenuar angústias, ao lembrar que não estamos sós nos nossos pensamentos e emoções.

O gosto pelos livros, em mim, despontou cedo. Quando era miúda, lia desde banda desenhada até histórias de terror. Ainda hoje cabe de tudo na minha estante: títulos de autores ilustres surgem lado a lado com policiais, biografias, livros de poesia, moda, design, história, meditação, receitas e viagens, entre outros temas mais exóticos. Além do gozo que me dá embarcar nessas aventuras, da ficção à vida prática, vejo na mistura de referências combustível para a criatividade.

Nunca se sabe quando é que um dado aparentemente inútil vai dar jeito, alavancar uma conversa, ser a peça que faltava para criar algo novo. Claro que a leitura permite bem mais do que absorver informações ou estimular ideias. Pode servir de distração, fuga à banalidade do quotidiano; pode ajudar a abrir caminhos, criar empatia ou, simplesmente, atenuar angústias e desconfortos, ao lembrar que não estamos sós nos nossos pensamentos e emoções.

Cada pessoa terá os seus motivos para mergulhar num dado livro, em dado instante, com mais ou menos voracidade. E os seus rituais – assumindo que é devota, ainda, do papel. Há quem goste de cheirar livros, sublinhá-los a lápis ou a tinta, assiná-los, datá-los, dobrar-lhes os cantos ou, pelo contrário, deixá-los imaculados. Há quem os arrume por ordem alfabética, por autores preferidos, por géneros; e quem encontre conforto nas prateleiras desorganizadas, num caos de sobreposições.

Enquanto uns leitores preferem guardar tudo, até o que não gostaram de ler, outros desapegam-se de parte da sua biblioteca de tempos a tempos. Tenho a sorte de, muitas vezes sem contar, receber volumes que já cumpriram o seu papel noutras casas. E de conhecer gente que faz recomendações certeiras de novas leituras. Os livros são tantas vezes mãos no ombro silenciosas, no momento certo, que chega a ser comovente.

A obra Todas as Crónicas, de Clarice Lispector, nascida na Ucrânia, mas logo radicada no Brasil, inclui o texto Um Fato Inusitado e um Pedido. A autora tinha recebido uma carta de um leitor a perguntar se poderia dispensar-lhe alguns livros usados, pois eram a sua companhia nas longas horas noturnas de trabalho como vigia de obras, porém, não tinha meios para os comprar. Clarice fez a sua parte e ainda publicou a morada do homem, apelando para que lhe enviassem livros, “dando-lhe uma alegria”. Oxalá tenha recebido muitos e interessantes. E que bons amigos poderíamos ter sido.




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