Crónica de Carina Fonseca: abraçar a floresta

(Fotografia de Artur Machado / Global Imagens)
E eis que, num destes dias, da televisão vieram, em vez de ruídos de dor, sons de pássaros, agudos e alegres, uma festa inesperada. Qualquer coisa primordial se agitou.

Os tempos andam negros, uma lei de Murphy a concretizar-se, invariavelmente, à escala global: o que puder dar errado, dará; se achas que não pode piorar, espera para ver. Após tantos embates e incertezas, mercê da pandemia, é o hálito azedo da guerra que nos chega pelos ecrãs. Miséria e incredulidade, a corda da vida cada vez mais bamba – para alguns, de forma inimaginável. Os problemas quotidianos tornam-se insignificantes, perante a ideia de famílias, casas, cidades em ruína, tantos recortes de horror a apertar-nos o peito através dos noticiários. É a humanidade a insistir naquilo que não serve a ninguém, como dizia um desconhecido, recentemente, num parque de estacionamento de supermercado.

E eis que, de súbito, num destes dias, da televisão da sala vieram, em vez de ruídos de dor, sons de pássaros, agudos e alegres, uma festa inesperada e que pareceu irreal, como os céus alaranjados lá fora. Alguém em casa estava cansado de nuvens escuras, pôs-se a ver um programa sobre o mundo natural (tudo muito contemplativo, nada de bichos a perseguir e a comer outros), e foi como se regressássemos à essência. Qualquer coisa primordial se agitou. Por momentos, voltámos a sorrir.

Lembrei-me então da terapia da floresta, nascida, nos anos 1980, no Japão, onde se morre, frequentemente, por excesso de trabalho. Shinrin-yoku (banhos de floresta) é o nome daquela prática, que os nipónicos entendem como medida de saúde pública e prevenção do stress – tem efeitos cientificamente comprovados e levou à criação de dezenas de trilhos oficiais. Mesmo conviver com plantas, em casa ou no local de trabalho, contribui para o bem-estar humano, está estudado. Mas é fácil esquecermo-nos de respirar com consciência, quanto mais tirar uns minutos para passear num bosque ou observar as nervuras de uma folha, nos nossos modos de vida tendencialmente vorazes e apartados da natureza.

Ora, na passada segunda-feira, 21, assinalaram-se, entre outras efemérides, o Dia da Árvore ou da Floresta e o Dia da Poesia – que tão bem se misturam. E está de volta a primavera, com a sua promessa de renovação. Que tudo isso sirva de pretexto (ou de lembrete) para irmos buscar conforto na natureza, olhar a robustez das árvores, lado a lado com a delicadeza das flores, aspirar os aromas, sentir a terra e o vento, esperar que algo de bom floresça, apesar do terreno árido. De caminho, podemos tentar ser mais gentis connosco e com os outros. Ser nós mesmos abraço, refúgio, território seguro para alguém, a cada dia.




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