Crónica de Carina Fonseca: a vida do alto da muralha de Dubrovnik

Dubrovnik, na Croácia, foi Porto Real na série "A guerra dos tronos". (Fotografia de Maria João Gala/GI)
É assustadora a facilidade com que ligamos o piloto automático dias, semanas, meses a fio, correndo o risco de esquecer uma verdade óbvia: estamos aqui a prazo, há que aproveitar.

Cedo ou tarde, apercebemo-nos da nossa caducidade. Quando descobrimos que certa pessoa conhecida desapareceu de súbito. Quando pensamos no que podia ter corrido mal quando éramos adolescentes com uma sensação de imortalidade – o tempo todo pela frente, nenhuma barreira, nenhum perigo, só desejo de expansão, beber do cálice da vida até nos escorrer o líquido pelo pescoço, a camisola encharcada. Olhamos para trás a pensar na inconsciência e na sorte que tivemos, mesmo os mais atinados, agora que nos preocupamos com coisas como se as análises ao colesterol vão resultar na toma de estatinas, se devíamos ter começado antes a usar protetor solar, e poupado mais, e, e… Até que chegamos à única conclusão a tirar, nesses instantes em que a ameaça do fim nos ronda – porque ronda, mais ou menos subtilmente, à medida que os anos vão passando.

Se não chegamos lá sozinhos, há alguém que nos alumia o caminho. Ou um livro, um filme, um passeio. Melhor ainda: tudo isso, à vez e de forma desencontrada, para que não se perca de vista o essencial. Pode ser o batidíssimo carpe diem saído da boca de um amigo, ou uma fala d’ A guerra dos tronos. Na famosa série baseada na saga As crónicas de gelo e fogo, de George R. R. Martin, diz uma apaixonada Ygritte a um não menos apaixonado Jon Snow: “Tu és meu e eu sou tua. E se morrermos, morremos. Mas primeiro vivemos”. É assustadora a facilidade com que ligamos o piloto automático dias, semanas, meses a fio, correndo o risco de esquecer esta verdade óbvia: estamos aqui a prazo, há que aproveitar.

Pus-me a rever aquela série de oito temporadas, cujo desfecho conhecia e nem sequer era satisfatório, porque me ficou essa vontade do cruzeiro pelo Mediterrâneo feito no verão, com a fotojornalista Maria João Gala, para a “Volta ao Mundo”. Valeu a pena subir à muralha de Dubrovnik, na Croácia, à hora de maior calor, também pelo fascínio de caminhar por um dos cenários d’ A guerra dos tronos – cuja prequela, A casa do dragão, está a ser emitida na HBO Max.

Tirar o maior partido da vida tem significados diferentes para cada um. Há quem acenda luzes por dentro a viajar, quem se sinta preenchido a escalar paredes, a fazer malha no sofá, a cuidar de crianças ou do jardim. Quem encontre sentido na calma como na agitação, ao mesmo tempo e de maneira desordenada. Podia ser algo para tatuar: há de haver dores, absurdos e incompreensões, até ao fim da linha. Mas primeiro vivemos, e saboreamos o mais possível, à nossa maneira.




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