Crónica de André Rosa: Nas férias, dias cinzentos também são dias

O primeiro festival de caminhadas da Arrábida já tem data
(Fotografia: DR)
Mesmo tapada por nuvens, a Serra da Arrábida mostra a sua beleza e a razão pela qual é uma das mais cénicas e bonitas do país e um ex-líbris da minha região.

O céu cinzento podia até ameaçar chuva, que o autocarro partia na mesma. E lá íamos nós todos contentes para a praia, com o lanche na mochila, a cantar e a jogar indiferentes ao barulho que fazíamos. Era assim no período das férias grandes, quando andava no ATL.

Chegávamos à praia da Figueirinha e os autocarros acumulavam-se numa fila ruidosa. Já na areia, estendíamos as toalhas em formato de círculo, com a comida comum arrumada em sacos no meio, e a palavra de ordem era colocar o protetor solar. Provavelmente já conseguiria, com algum esforço, barrar o protetor nas minhas costas, mas lembro-me de formarmos filas para as educadoras executarem a tarefa, qual linha de montagem.

O momento de irmos à água era sempre o mais esperado e recebido com euforia. Mesmo que o céu ameaçasse chuva, ou que o nevoeiro não deixasse os raios de sol secar a areia húmida, corríamos praia baixo e atirávamo-nos para dentro de água, sem hesitar. Algo impensável nos dias de hoje, friorento que me tornei. «As crianças têm o termostato do corpo desligado, só pode», penso hoje para mim com água ainda pelos tornozelos. «Como é que aguentam?» A verdade é que as frias águas da Arrábida estão cada vez mais ‘quentes’ de ano para ano. Falo por mim, habituado que fui desde criança a frequentar a praia da Figueirinha. De há uns anos para cá, porém, desenvolvi uma «técnica» nada complexa para enfrentar as gélidas águas da Arrábida: entro na água e saio imediatamente, registando a agradável sensação do choque térmico tomar conta do meu corpo no trajeto para a toalha.

Esta forma de ir à água tem muito que se lhe diga: em última instância, prova que não sou mesmo tolerante ao frio, apesar de, repito, a água naquela praia me parecer cada vez mais «quente» – ou menos fria. Quando me disponho a nadar durante mais tempo e me ponho a admirar o recorte verde da serra que emoldura a praia, penso no quão privilegiado sou em viver tão perto deste paraíso local, e como, em criança, ir à praia em dias nublados, enevoados ou chuvosos não era motivo de neura – antes mais um dia divertido como os outros.

Na semana passada, quando fui em reportagem ao Portinho da Arrábida e visitei outros pontos da serra, ela estava assim: debaixo de uma campânula de nuvens, nevoeiro cerrado e húmida. Não é assim que gosto de vê-la cada vez que vou passear ou fazer praia – preferindo sempre dias de céu limpo, quentes e luminosos -, mas sei que assim a serra também tem o seu encanto especial, quase místico, e que nessas condições eu próprio fazia praia ali, em criança. Mesmo tapada por nuvens, a serra mostra a sua beleza e a razão pela qual é uma das mais cénicas e bonitas do país e um ex-líbris da minha região. Dias cinzentos e nublados também são dias, e a forma como os encaramos só depende de nós.

 

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