Crónica de André Rosa: “Está aberta a silly season”

(Fotografia de Steph Q/Unsplash)
Agosto está aí com incêndios, seca extrema, guerra e crise energética na agenda noticiosa. Mas nem assim deixa de ser a época dos fait-divers.

Agosto costuma trazer uma amálgama de idiossincrasias lusas à medida que a canção de Dino Meira ressuscita, qual Mariah Carey pelo Natal, e toda a gente começa a trauteá-la: “Meu querido mês de agosto/Por ti levo o ano inteiro a sonhar/Trago sorrisos no rosto/Meu querido mês de agosto/Porque sei que vou voltar”. É a banda sonora que enquadra o momento em que muitos emigrantes regressam à terra natal para umas semanas de férias, entre reencontros familiares, bailaricos no adro da igreja e tardes bem regadas.

Entre imagens de jarros de sangria vazios, pés esticados numa cama de rede e vídeos de mergulhos aparatosos na piscina, legendam-se as férias com a expressão “silly season”. Traduzido à letra, quererá dizer algo como “estação tola”. E popularizou-se. O termo foi criado em 1861, num artigo do “Saturday Review”, e depois listado na segunda edição do “Brewer’s Dictionary of Phrase and Fable”, que contém definições e explicações de frases, alusões e figuras famosas.

Para os ingleses, a “silly season” diz respeito à “altura do ano, normalmente o verão, em que os jornais estão cheios de histórias que não são importantes porque não há notícias relevantes, especialmente políticas”; para os americanos, é o “período do ano em que as pessoas fazem ou dizem coisas que não são sensatas ou sérias”, segundo o Dicionário de Cambridge. Por cá, o verão é fértil em material noticioso que se confunde com entretenimento, quando a classe política tira uns dias e deixa os jornais, rádios e telejornais órfãos de notícias.

É claro que todos os verões são diferentes, e este em particular segue a braços com uma crise energética e uma vaga de calor e incêndios em quase toda a Europa, mas vem de novo ao cimo a matriz do fait-divers. Reportagens em direto da praia a questionar banhistas se a água está fria, peças sobre os concertos que as figuras públicas frequentam ou considerações sobre a cor da roupa e o nosso estado de espírito são alguns exemplos. O público terá sempre interesse e apetite por todo o tipo de conteúdos, mas não deixam de ser tempos estranhos aqueles que estamos a viver, em que a seriedade das tragédias convive lado a lado com comportamentos mais frívolos ou excêntricos.

Legitimamente, quem goza um período de férias procura desanuviar a cabeça das preocupações do dia-a-dia, e esse estado de espírito tanto pode motivar a compra de uma revista “cor-de-rosa” como de um livro para devorar num fim de semana, ou assistir a um programa de percursos de obstáculos em que os concorrentes caem aparatosamente à água. A moral da história é que, por mais que todo o ano já nos pareça uma “silly season”, nem sempre temos de nos debruçar sobre assuntos profundamente sérios, permitindo-nos o simples direito de sermos tolos e felizes.




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