Crónica de André Rosa: drink no rooftop, a ver o sunset

(Fotografia de Gonçalo Villaverde/Global Imagens)
O turismo e as empresas e serviços estrangeiros contribuíram para uma enxurrada de empréstimos linguísticos que submerge as válidas e rigorosas palavras portuguesas.

Rooftop, amenities, lobby bar, soft-skills, know-how, sunset, front office, back office, cocktail, brunch, check-in, upgrade, bowl, feed e por aí adiante… Eles estão em todo o lado, contaminam todo o tipo de discurso, plataforma e espaço social, chamam-se empréstimos e ameaçam abafar cada vez mais as palavras que lhes correspondem na língua portuguesa. Claro que há termos técnicos e vocábulos estrangeiros que dificilmente têm paralelo em português, mas, na maior parte dos casos, tem-se assistido a uma substituição automatizada e acrítica dos originais, no âmbito da linguagem e do discurso cada vez mais globalizados que as sociedades alimentam hoje em dia.

A aposta massiva no turismo e o crescimento das empresas e serviços estrangeiros em várias áreas do quotidiano contribuíram para esta enxurrada de empréstimos linguísticos que submerge as igualmente válidas e rigorosas palavras portuguesas. E este fenómeno tem consequências, das quais se retira o empobrecimento do discurso privado e público, uma vez subjugado às lógicas comerciais agressivas que impulsionam o uso de tantas palavras forasteiras. Mas esta é apenas a ponta do icebergue, pois o que se passa no plano da escrita é ainda pior: nunca se escreveu tão mal nas caixas de comentários dos jornais e nas redes sociais, por exemplo.

Vive-se numa era em que tudo parece ser debitado com fúria, a uma velocidade em que os dedos têm dificuldade em acompanhar a sucessão de pensamentos. A era em que uma grande parte dos conteúdos parece estar votada a poucos segundos de sobrevivência – tantos quanto a nossa retina se detiver sobre eles, entre gestos de scroll automatizados -, como se tudo fosse publicado para ser visto, ouvido e lido e logo descartado, sem apelo nem agravo. É a era dos anúncios que têm de prender a atenção em poucos segundos; dos chavões aglutinadores de opinião; das trends, hashtags, followers, likes e outras métricas de valor questionável.

Nesta esfera social de aparências importa mostrar, promover, alimentar e praticar (ou pelo menos, simular) tudo de acordo com as regras vigentes, relativamente ao que é cool e trendy. Por isso, compreende-se que apontar a câmara do telemóvel para o pôr-do-sol no terraço de um prédio tem muito pouco de glamoroso; assim como pedir um cocktail sem álcool pode ser um aborrecimento se não pedirmos um mocktail. Luís Vaz de Camões dá voltas na tumba ao ver tantos atropelos à língua portuguesa, e os que a ela se mantiverem fiéis, acreditando na sua beleza e riqueza, terão a vida cada vez mais dificultada. Pode não ser tão fancy, mas é com certeza a nossa língua.

 




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend