Crónica de Ana Luísa Santos: “Subir paredes”

(Fotografia: cottonbro/Pexels)
Hoje escrevo uma carta de amor à escalada. Rídiculo? Bem, todas as cartas de amor o são, já escrevia Álvaro de Campos, em “Poemas”.

Crimp. Sloper. Pocket. Jug. Dyno. Beta. Spray wall. Pés de gato. Até há uns meses estas palavras e expressões não me diziam nada, hoje são parte do meu vocabulário. A pandemia levou-me a procurar atividades para desafogar a cabeça, e a meio da busca apareceu a escalada. Comecei reticente e cheia de medo, agora estou sempre em pulgas para ir ao ginásio. O que é curioso, porque a prática desportiva nunca me encantou. As aulas de Educação Física sempre foram suplício e aborrecimento em partes iguais, por sentir que nada daquilo me divertia. Era um tédio (tentar) jogar futebol ou basquetebol, e apenas sentia algum encanto por acrobacias ou andebol. Não sou fã de jogos em equipa, e também não me motiva exercitar para esculpir o corpo. Sou pelo movimento como fonte de saúde e agrada-me não depender de ninguém para ter sucesso na escalada (em ginásio).

Diz-se que a escalada é uma atividade solitária, onde somos apenas nós e a parede. É verdade e é o que a torna tão apelativa para mim. Mas também é comunidade, juntando pessoas sem discriminar géneros ou idades. Enquanto uma sobe, há outras a tecer considerações sobre a melhor mão a levar à presa seguinte ou a gritar palavras de encorajamento, já que ali ninguém ganha ou perde. No fim da subida, já se criaram mais umas quantas amizades. E isso agrada-me, tanto quanto o levar ao limite a minha força mental e física, sacrificando dedos e outras partes do corpo pelo caminho.

Na escalada há vários obstáculos para superar, como em qualquer desporto, seja a frustração de uma má performance ou de uma progressão lenta, ou o lidar com a dor. Mas nesta atividade há mais uma: o medo de cair. É transversal a (quase) todos os praticantes, atormentando iniciantes e profissionais, ainda que em diferentes medidas. Sendo que uma queda está sempre à espreita, o mais inteligente a fazer é aceitá-la e treiná-la. Acreditar nos colchões fofos que a vão amparar ou na pessoa que está a fazer segurança, caso a escalada seja na rocha. Falar com quem escala melhor do que nós e pedir dicas, seja para subir, seja para descer. Apesar de andar nisto de subir paredes há cerca de meio ano, confesso que me assusta a ideia de cair, e ainda estou a aprender com cada queda que me apanha desprevenida.

Há uns tempos pensava em como este desporto pode ser uma metáfora para a vida. Chegar ao topo é o objetivo da maioria, contudo, as amizades que se encontram pelo caminho são tão – ou mais – importantes. As quedas são quase certas, mas se as soubermos receber, servirão como lições. E no fim, o que importa, é passarmos um bom momento.




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