Crónica de Ana Luísa Santos: o mês mais triste do ano

(Fotografia: Nick Stafford/Pixabay)
Para muitos, a euforia geral de dezembro extingue-se como uma vela em janeiro. O ano é novo, mas tudo parece igual e continuamos a não estar preparados para fazer grandes planos. Então, há que fazê-los pequenos.

O ano ainda mal começou e já há quem o queira ver pelas costas. E eu até compreendo. A magia do Natal dissolveu-se, muitas das resoluções já ficaram pelo caminho e o frio instalou-se – estas são algumas das razões que dão frequentemente o título de “mês mais triste do ano” a janeiro, embora fevereiro e novembro também sejam fortes concorrentes. Além disso, é também por esta altura que muitos sofrem de depressão sazonal, provocada pelas poucas horas de luz. Mas este ano há ainda mais razões que dão força ao argumento de janeiro ser o mês mais triste: se por um lado a tão desejada vacina chegou, por outro, um novo confinamento parece emergir no horizonte (à data da escrita da crónica), deixando o futuro – ainda que polvilhado de esperança -, mais uma vez, pouco claro.

Posto isto, a minha única decisão de ano novo foi de saborear os momentos. É quase certo que não vou fazer uma viagem ao estrangeiro, juntar-me à mesa com pessoas das quais sinto falta, nem ouvir as minhas bandas preferidas em festivais. Acredito que ainda vou passar muito tempo em casa, mas a vida continua, e urge aproveitá-la. Talvez seja por isso que na virada do ano não tenha pedido desejos, nem feito resoluções. A tê-las é pô-las em marcha imediatamente, e não me dar ao luxo de tomar o futuro como garantido. Alguns dos meus planos estão mesmo nas páginas desta edição, e já comecei a trabalhar neles.

Mas não tenho só planos, ao longo dos últimos meses descobri pequenas coisas que ajudam a suavizar a angústia de certos dias e ponho-as em prática sempre que posso, seja ouvir um podcast, aventurar-me numa nova receita ou ver fotografias antigas. Arranjei no meu cão o companheiro ideal de caminhadas. Com apenas dois quilos, mas de uma energia inesgotável, que os 8 anos não parecem abalar, o Lucky está sempre ansioso por um longo passeio, faça sol ou não. Graças à companhia dele, já conheci o passadiço de Arcozelo, que se revelou uma surpresa, a nova frente fluvial de Gaia, e até o meu quarteirão de madrugada. Aproveito as horas que me sobram ao fim do dia para aprofundar assuntos que sempre me interessaram, e leio tudo o que encontro sobre sustentabilidade e cosmética.

De resto, saboreio tudo com mais consciência, mais calma, fazendo um esforço por não dispersar a minha atenção. Um dia de céu limpo, um chocolate quente feito ao fogão, uma fatia de pão quente com compota, os arrozes caldosos da minha avó, uma receita que saiu perfeita, uma chamada, um livro, um pôr do sol de tons pastel, um céu estrelado, um jogo com amigos. Não é fácil – e, por vezes, parece impossível -mas há que arranjar argumentos diariamente, mesmo que pequenos, para que nem este mês nem os próximos façam jus ao título.




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