Crónica de Ana Costa: Mudança de planos

Neist Point, no extremo ocidental da ilha Skye, na Escócia. (Fotografia: Pexels)
Nestas férias, troco as Terras Altas pelas Terras de Barroso. Por força das circunstâncias e pela vontade de sair à descoberta desses tantos recantos do meu país que ainda não conheço.

Se 2020 não se tivesse transformado num filme de ficção científica de guião apocalíptico, estaria – na altura em que escrevo esta crónica – em contagem decrescente para embarcar numa viagem às Terras Altas da Escócia. As Highlands ocupam o topo da minha lista de destinos desde 2014, quando uma conhecida série de televisão me apresentou as paisagens montanhosas e verdejantes do noroeste escocês, pejado de lagos, vales glaciais, falésias, castelos e uma neblina misteriosa, que alimentam o folclore local com lendas e superstições seculares. Ganhei uma certa fixação por aquela terra de história e relevo acidentados.

Daqui por alguns dias chegaríamos a Inverness, a capital das Terras Altas, e a partir dessa base estratégica daríamos início ao nosso roteiro, em que reservamos margem para explorações imprevistas à boleia do sentido de descoberta, claro. Queríamos absorver o máximo daqueles cenários imponentes, de beleza crua dos lugares remotos, que carregam no ar uma energia inebriante. Mas também não podíamos deixar de juntar alguns planos mais turísticos à lista: conhecer o famoso Loch Ness, com ou sem monstro – criatura mística que há séculos ali atrai curiosos -, o segundo maior e mais profundo lago escocês, em cujas margens se erguem as ruínas do castelo de Urquhart; ir a um pub em dia de ceilidh, uma espécie de sarau cultural, com música e dança popular; pisar o campo de batalha de Culloden Moor, que em 1746 marcou o fim do sistema de clãs, e abriu uma grande ferida nos modos de vida locais, proibindo o uso de kilts e de qualquer outro símbolo da cultura highlander; visitar uma destilaria de whisky – perdão, Scotch! – e fazer uma prova, mais por desejo da minha companhia, que eu fico-me por admirar a cor e o aroma do destilado. Item a riscar da lista em Fort William, no sopé da mais alta montanha do Reino Unido, a Ben Nevis, por onde – atenção fãs de Harry Potter – passa a linha férrea onde foi filmada a viagem do Hogwarts Express nos filmes da saga.

O ponto alto, na nossa expectativa, seria a ilha Skye – onde chegaríamos passando por mais lagos e castelos -, de litoral recortado em penínsulas, lagos estreitos, e um interior montanhoso, com cascatas e encostas escarpadas.

Seria uma viagem a recordar. Mas não foi. Porque 2020 acabou por se transformar num filme de ficção científica de guião apocalíptico. Talvez no próximo ano. Ou no outro. A incerteza já não me aflige, até porque comecei a retificar o itinerário para incluir uma passagem pela North Coast 500, uma rota ao redor da costa norte da Escócia, com início e fim no castelo de Inverness, ou uns trilhos no Parque Nacional Cairngorms, e ainda talvez uma viagem no Jacobite, o tal comboio histórico a vapor dos filmes do pequeno feiticeiro.

Até lá, continuo a viajar por essas paisagens de uma Escócia do século XVIII (por via dessa tal série televisiva), alternando com a atmosfera carregada da ilha de São Tomé, nas páginas do “Equador”. Fui a Ibiza, há umas semanas, à boleia de uma nova série daquela famosa plataforma de streaming, e daqui por alguns dias, ao invés das Terras Altas, ponho os pés em Terras de Barroso, para onde redirecionamos estas férias de verão. O roteiro escocês fica guardado na gaveta, enquanto, sem menos deslumbro ou entusiasmo, vou antes descobrir os encantos e o sossego desse território raiano, e risco da lista de destinos mais um recanto de Portugal, que ainda não tive o privilégio de conhecer.




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