Crónica de Ana Costa: de volta ao caminho

(Fotografia: Irina Iriser/Pexels)
Voltar a caminhar não significa ter de retomar a mesma estrada de antes, podemos recuar, fazer um desvio, ou até alterar por completo o destino. O importante é escolher a direção em que queremos e ir.

Há dias, voltei ao Porto pela primeira vez em quatro meses. A cidade pareceu-me um tanto adormecida, ainda numa fase inicial do desconfinamento, mas caminhar pelas ruas do lugar que escolhi para começar a vida adulta, da faculdade ao trabalho, pareceu-me um regresso ao percurso que deixei suspenso durante o último ano.

Entre cair e querer andar mas não sair do sítio, venha o diabo e escolha. Quando chegou a primeira onda – e depois a outra e a seguinte -, que nos deixou embrulhados em avanços e recuos, os nossos esforços de chegar à praia, a cada braçada igualmente distante, foram em vão, e não houve escolha. Ficamos suspensos, embalados num vaivém sem destino. Estivemos à mercê do tempo, como sempre, mas desta vez mais impotentes, e ainda para mais submersos na lugubridade natural do inverno.

Bendita primavera! Chegou mesmo a tempo de nos puxar pela mão para o abraço quente do sol, o banho doce das laranjeiras em flor e o afago suave do vento que faz dançar os cabelos e refrescar as ideias. Esta estação tem o poder de transformar o mais soturno dos espíritos num embrulho de bem-estar. É o tempo da renovação, das limpezas, do recomeço e dos planos. E como gosto de fazer planos. É um pequeno prazer, que me dá quase tanto gozo como a concretização em si. Talvez porque vivo muito dentro dos meus próprios pensamentos. Mas também aprendi a não elevar demasiado as expectativas, e a deixar espaço ao acaso e às vicissitudes da vida. É um planeamento comedido, ciente de que não podemos controlar tudo ao mais ínfimo pormenor, como nos recordaram estes últimos meses, mas que ajuda a manter um foco.

Recordo agora os planos que tinha, bem definidos no papel – como gosto de registar todas as minhas listas -, antes de tudo isto ser uma realidade. É altura de os repensar, de ponderar se continuam a fazer sentido. Ou se este hiato mudou de alguma forma os anseios, os projetos, os sonhos, os objetivos e as metas que tinha. Acredito que, para muitas pessoas, os planos tenham mudado. Estar suspenso, sem um caminho traçado a correr-nos debaixo dos pés também tem um lado bom, ajuda-nos a pôr o nosso próprio percurso em perspetiva e a olhar com distanciamento o caminho que seguíamos. Voltar a caminhar não significa ter de retomar a mesma estrada de antes, podemos recuar, fazer um desvio, ou até alterar por completo o destino. O importante é escolher a direção que queremos tomar e ir.

Estes primeiros dias de primavera, abençoados por uma luz brilhante, um ar ameno, aromas doces e sons alegres, foram um bálsamo, e saborear esses dias com o sol a afagar-me a cara numa esplanada, de regresso ao trabalho, e nos braços de quem não me abraçava há tempo de mais foi a injeção de energia que precisava para voltar a tocar com os pés no chão.

Honestamente, não tenho um remate para este devaneio. Tudo isto serve apenas para dizer que é bom estar de volta ao caminho, ainda que tenha de aprender a andar outra vez.




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