Crónica: à boleia do elétrico 28, (quase) sem turistas

Crónica: à boleia do elétrico 28, (quase) sem turistas
O elétrico 28. (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)
Quinze anos depois, passeei pelos bairros históricos de Lisboa a bordo do mais famoso elétrico. Sem filas de espera e avalanches de turistas debruçados nas janelas, o 28 volta a ser o que era.

Prazeres. Setembro. Poucos minutos depois das 16h. Há meio ano, era impensável entrar no elétrico 28, principalmente a meio da tarde de um prazeroso dia de sol, e começar a viagem sozinho na carruagem. Mas assim foi. Um destes dias, a palmilhar sem grande destino definido um dos meus bairros preferidos de Lisboa, Campo de Ourique, lá estava o 28 parado, junto ao Cemitério dos Prazeres, a olhar para mim. Já havia feito este percurso anteriormente, penso que até mais do que uma vez, mas pelo menos há década e meia – desde os idos tempos de estudante – que já não o fazia.

Nunca por falta de esquecimento, até porque passo por ele quase todos os dias. Mas a eventual vontade de subir à carruagem do mais famoso elétrico alfacinha ficava automaticamente em águas de bacalhau sempre que olhava para as filas de espera e as multidões que se juntavam no Martim Moniz, estação terminal ou inicial, à torreira do sol, à espera de um lugar numa das próximas carruagem. Ou sempre que revirava os olhos aos ajuntamentos de turistas nos passeios demasiado esguios da Graça, bloqueando quem por ali passa. Além disso, o meu instinto claustrofóbico ficava ativo sempre que via dezenas de passageiros debruçados entre si e sobre as janelas, de braços e smartphones na mão, a captar a descoberta de Lisboa em fotografias e vídeos.

As consequências da pandemia e o decréscimo no turismo na capital – que se nota a olhos vistos, e em várias frentes, desde maio até agora, vieram mudar tudo isso. Ao longo de cerca de meia-hora de viagem, vislumbro a cidade que já conheço bem, com com outro ritmo, menos acelerado, o que também sabe bem volta e meia. Avistam-se igrejas e basílicas e a Sé, atravessam-se miradouros com vista-Tejo e alguns jardins, sobem-se e descem-se as calçadas do Combro, de São Francisco e da Estrela, sempre pelos bairros históricos como Chiado, Santos, Baixa e Bairro Alto. Conto pelos dedos das minhas duas mãos a quantidade de passageiros que entrou e saiu do 28.

À exceção de duas amigas turistas, eram todos portugueses – bastava ouvir o “boa tarde” à entrada, e olhar para as malas de trabalho com computadores portáteis e para os mais idosos com os sacos das compras. E ainda que prefira sobrepor as vantagens às desvantagens na massificação do turismo em Lisboa nos últimos anos, a verdade é que, há algum tempo que o 28 é mais dos estrangeiros do que dos lisboetas. Também sabe bem perceber que esse desligamento local atenuou este ano.

A título de curiosidade, resta referir que, tal como a própria lotação do elétrico, também esta viagem ficou limitada a dois terços da sua capacidade. Quase a chegar à Graça, o elétrico ficou parado em plena via, porque um dos veículos ali estacionados lhe estava a bloquear a passagem. Lisboa, com as suas muitas qualidades e virtudes, também é isto: um teste de paciência a quem anda pela estrada. O motorista lá encolhia os ombros. A sorte é que já estava perto de casa.




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