Bolhão: a minha banca é a minha pátria – crónica de Pedro Ivo Carvalho

Mercado do Bolhão renovado (Fotografia de André Rolo/GI)
O novo-velho mercado enche de vaidade qualquer portuense que passa para lá daqueles portões metálicos, mas a sua regeneração é uma lição exemplar de orgulho nacional.

Demorei mais de uma semana a visitar o novo-velho Mercado do Bolhão. Não por negligência calculada, mas apenas porque queria deixar passar a excitação desmedida do recomeço. Queria lá voltar quando a poeira da adrenalina mediática já tivesse pousado nos corrimões históricos por onde voltei a passear as palmas das mãos. Levei lá os meus filhos, porque a vaidade que um portuense está obrigado a sentir quando passa para lá daqueles enormes portões metálicos tem de ser tratada como uma espécie de herança forçada. O meu filho mais novo conhecera a versão antiga de olhos fechados, enquanto passeava num carrinho de bebé, há alguns anos, e a minha filha mais velha já quase não se lembrava de nada. Retinha na memória apenas a ideia de um espaço que suplicava por obras e que dava pena.

Saíram ambos com a sensação de que aquele lugar era outro lugar dentro da cidade, onde se distinguiam múltiplos idiomas, onde somos capazes de mergulhar no futuro calçados com as botas do antigamente. Missão que não era fácil: a tentação de transformar o Bolhão numa coisa trendy, descaracterizada, era impulsiva, porque é assim que normalmente sucede num contexto turístico como aquele em que o Porto se encontra hoje: de enorme pressão, de tremenda exigência. Mas o Bolhão manteve a sua traça identitária, o calão, as bancas e os genes tradicionais, sem, no entanto, renegar à mudança dos tempos, dos clientes e dos protagonistas.

Por isso, podemos falar em vaidade quando passamos para lá daqueles enormes portões metálicos. E mais vaidosos ficamos ainda quando somos esmagados pelos números: num mês, o novo-velho mercado foi visitado por mais de 600 mil pessoas, o que dá uma impressionante média diária de 20 mil visitas à semana e 30 mil ao sábado. Contas redondas, é como se todos os dias ali desaguasse um Estádio do Dragão quase cheio.

Mas para lá da poesia das palavras e do reconforto sentimental, há uma economia local que frutifica, que ajuda a revitalizar uma parte da cidade que estava em coma, que traz uma nova luz. O desafio do novo-velho Bolhão é manter-se um organismo vivo e pulsante ao longo do tempo. Os rissóis de bacalhau e o arrozinho malandro da dona Gina vão certamente ajudar a repor essa função centrifugadora a um espaço mágico que estava criminosamente condenado à morte. O Bolhão é um orgulho para os tripeiros, mas é, sobretudo, uma lição exemplar de orgulho nacional. A minha banca é, afinal, a minha pátria.




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