Crónica de Luísa Marinho: A roupa gira

Longe vão os tempos em que o imaginário das lavandarias automáticas era povoado por cenas de filmes e séries, que apresentavam estes espaços como cenários para histórias de mistério ou amor.

É nos serões mais chuvosos que a lavandaria do meu bairro se enche de vizinhos carregados de sacos de roupa, alguma suja, a maior parte já lavada em máquinas domésticas e pronta para secar. E quanto mais os dias de chuva se acumulam, mais se acumulam sacos, pousados em fila, à espera de vez. Enquanto a roupa vai girando, há mais clientes a chegar, que se espalham pelas cadeiras, não completamente desconfortáveis, encostadas nas paredes.

Esperam por vez, dada a cada 17 minutos, tempo de um ciclo de secagem. O pior é quando o cliente à nossa frente tem três, quatro sacos cheios, o que torna a espera longa demais. Faz-se de tudo para ajudar passar o tempo. Tira-se um livro do bolso, ou o telemóvel para jogar um jogo ou ouvir música, olha-se para o filme aleatório que passa no televisor. Ou, então, põe-se a conversa em dia, com um vizinho, um amigo que saiu de casa para cumprir a mesma função. Há quem se distraia a tirar café da máquina, a fumar um cigarro à porta.

Não sendo já propriamente uma novidade entre nós, as lavandarias automáticas começaram a aparecer discretamente há meia dúzia de anos, nos centros urbanos de Lisboa e do Porto, e rapidamente começaram a ocupar centro e periferia, cidades e vilas. E percebe-se porquê. É mais confortável passar uma ou duas horas à espera de uma vaga na máquina de secar do que, em casa, esperar dias a fio que a roupa perca a humidade entranhada, improvisando esquemas com termoventiladores, desumidificadores… O sucesso tarda a chegar, sendo o cheiro a mofo inevitável em poucos dias.

Já longe parecem estar esses tempos, os mesmos em que o imaginário das lavandarias “self-service” era povoado por cenas de filmes e séries, que ao longo do tempo nos foram apresentando esses espaços como cenários para histórias de mistério ou de amor, sendo apenas acessórios para juntar personagens, cruzar histórias ou provocar revelações ou epifanias nas personagens.

Depressa a realidade começou a substituir o romantismo da ficção. Não dá tanto prazer assim sair de casa numa noite de chuva, tentar não desesperar enquanto a fila não diminui. Nos fins de semana, pode até haver mais entretenimento durante o dia. Mães e pais levam as crianças para a lavandaria, onde estas espalham os seus brinquedos nas pequenas mesas das revistas. Outras, apesar das políticas da casa, não conseguem parar quietas entre as mesas de dobrar roupa. E, na verdade, ninguém se parece queixar. Seja quem está mergulhado num livro, quem está trocar mensagens no telemóvel ou quem, como eu, se esqueceu de tudo isso em casa, fixando, antes, o olhar nos tambores das máquinas, e trauteando, baixinho, John Lennon – “I’m just sitting here watching the wheels go round and round / I really love to watch them roll…” -; até que a senhora que acaba de abrir a máquina ao lado interrompe com uma pedido: “a menina dá-me uma ajuda a dobrar os lençóis?”.




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